Em Chaguaramas paramos na marina Crews Inn, muito bem estruturada e mantida. Víamos constantemente tartarugas, iguanas, caranguejos e diversos pássaros ao redor. Nesse cenário bacana, trabalho. Tínhamos um dessanilizador para instalar e diversos reparos pela frente: enrolador da genoa, piloto automático, leme de vento, GPS, luzes de navegação da proa e guincho da ancora, entre outros. Queríamos também comprar um telefone por satélite e revisar o estaiamento.
Em outro momento conto o quão penoso foi esse processo, mas só para dar uma idéia para os que não têm barco, é que nem reforma de casa. Sempre demora mais e sai mais caro (muito mais) do que o previsto. E lidar com os fornecedores é uma provação.
Alguns, raros, são competentes e confiáveis. A grande maioria não é uma coisa nem outra.
Trinidad e Tobago são duas ilhas que formam um país com pouco mais de 1 milhão de habitantes. É o maior e mais desenvolvido país do Caribe, com uma economia industrializada e produtora de petróleo, pouco dependente de turismo. A capital, Port of Spain fica em Trinidad, a maior ilha. Tobago é bem menor, mais pacata e voltada basicamente ao turismo. Chaguaramas, em Trinidad, é uma pequena baía lotada de barcos e marinas. Quase todos os barcos estão por lá para realizar alguma manutenção. O dia a dia gira em torno de idas as lojas náuticas, pegar no pé dos fornecedores e afins. E claro que quando você tem sorte ainda vai ao aeroporto retirar encomendas na alfândega, como foi nosso caso. Uma história a parte. Depois de horas de táxi num congestionamento daqueles, ao chegar ao aeroporto você fica sendo mandado de um lugar pro outro. Aí você para num guichê parecido com aqueles de boate nos bairros barra pesada: só um espacinho para passar os documentos, sem ver quem está do outro lado. Alguns carimbos, resmungos e te mandam esperar numa sala deprimente, pior que clinica de aborto clandestino, cheia de tipos estranhos que nem você. Nada acontece. Depois de um tempão ali uma boa alma, dentre os que estavam esperando, vem falar contigo e te diz para entrar por uma porta onde está escrito “expressamente proibida entrada, aguarde ser chamado”. Você obviamente não vai. O cara insiste, te pega pelo braço e entra com você. Aí sim é que fica impressionante. Um monte de pacotes espalhados pelo chão, empilhados de qualquer jeito, gente pra lá e pra cá revirando as coisas. A zona. E dois oficiais uniformizados fazendo tipo de importantes. Um clássico. Um deles pega seus papéis, fica olhando, te pergunta tudo o que já está escrito nos papéis (formulários deles, a propósito) e começa a preencher outro formulário. Mas preencher bem devagarzinho, entende? Bem devagarzinho mesmo. A cada letra desenhada sucediam longos intervalos e olhares suspeitosos aos papéis. Aí te perguntam onde está a encomenda. Imagine sua surpresa... Bom, toca a revirar aquela bagunça toda até achar a bendita. E depois as instruções: levar os pacotes imediatamente para a alfândega de Chaguaramas para uma nova inspeção. Mais algumas horas no trânsito e você retorna ao tal escritório onde tudo havia começado. Re-inspeções realizadas, ainda cobram uma taxa por você ter voltado após o expediente (até as 16h00min).
E assim foram se passando os dias. Ficamos seis semanas por lá. Instalamos o dessalinizador, piloto automático, inversor, enrolador de genoa, dois brandais, os dois estais e antena do GPS. Consertamos o guincho da âncora e o leme de vento. Compramos o Iridium (fone por satélite) usado do Thorgal. Também aproveitamos os bons preços para estocar mais algumas peças sobressalentes, ferramentas e um GPS portátil (gato escaldado...)
Teria sido absolutamente chato se não tivéssemos a sorte de ter encontrado algumas pessoas. Conhecemos o Joca e o Guga, que estavam lá para levar o Dux, um veleiro de 60 pés aos EUA. Duas figuras impagáveis. Nos encontrávamos quase todas as noites para jantar e/ou bater papo. E ríamos, ríamos muito. Com muitas milhas navegadas juntos os dois contavam um causo atrás do outro. O Guga, que é de Recife, cada hora saia com uma expressão mais engraçada que a outra: coisa boa era “sweet docinho”, roubada era “punk rock” ou “straight to hell”, “flotation” era quando alguém estava distraído, “alma sebosa” não precisa explicação e outras... A todas essas o Joca, carioca, só mandava um “puooooorra Guga”. Caras, hilário, to rindo aqui de novo só de lembrar essas figuras. Depois o Renato juntou-se a eles para completar a tripulação e também participava das pizzas e jantares. A Paula preparou uma excelente feijoada para os três, o Georges, Elke e foi aplaudida ao final.
Mais um tempo passa e reencontramos o Alex e a Kátia, queridos amigos e vizinhos de marina em Paraty, agora no comando de um trawler de 98 pés, o Eagle´s Nest. Aquela alegria. O Rogerio, dono do barco, muito agradável e cavalheiro acaba convidando Pajé e Dux para jantar celebrando o reencontro de todos, já que Joca, Guga, Alex e Kátia também se conheciam de outros carnavais. Conversando descobrimos que o Rogerio é amigo do Fabio Reis, amigo nosso também e mestre de tantos Capitães no Brasil.
Amigos são mesmo tudo de bom!
Quando estivemos em SP no início do ano foi a maior mordomia. Tivemos tudo à disposição. Nem quando trabalhávamos tínhamos tanta variedade e luxo: carro do Alex, moto do Ricardo, os carros da Pil e da Simone, uma maravilha! Velejando foi a mesma coisa: o Georges e a Elke nos ajudando com a previsão do tempo, softwares e o Iridium, o Guga se enfiando junto comigo no paiol de popa do Pajé para soltar um daqueles parafusos malditos...
E por falar em amigos, conhecemos o Prieto e a Sandra, também velejando por aí no Tutatis. Simpaticíssimos. A Sandra, o Prieto é mais ou menos... Brincadeirinha! O Zé (verdadeiro nome do Prieto) é dez, e já me conhece o suficiente para saber que eu perco o amigo, mas não perco a piada. Fomos juntos a Chacachacare, uma ilha próxima a Chaguaramas, num final de semana. O Zé e a Sandra nadaram com golfinhos. Nós tivemos o barco invadido à noite por um morcego que comeu uma das bananas. Sem vergonha!
Escrevi que não iria comentar sobre manutenção, mas uma tenho que contar. Contratamos um sujeito para fazer uma inspeção no estaiamento (aquele monte de arame que mantém o mastro de pé) e ele passou um bom tempo com uma lente de aumento analisando tudo. Estava tudo bem, mas ele recomendou a mudança de dois terminais nos próximos 12 meses. O que é mais uma pintinha para um dálmata? Pelo sim, pelo não, resolvemos trocar no ato. Dias depois, estávamos lavando o cockpit e descobrimos que o estai traseiro tinha dois filamentos rompidos! A coisa mais óbvia e o tal especialista passou batido. Ficamos felizes, pois descobrimos da melhor maneira, paradinhos numa marina. E ficamos muito tristes com o $$ que tivemos que gastar. Fiquei com vontade de pedir o dinheiro da inspeção de volta.
E chegou finalmente o grande dia que pudemos partir de Trinidad. A lista de manutenção estava completa, nossa paciência no final e o caixa estourado com os extras inesperados. O Eagle´s Nest iria ficar por lá, o Tutatis já tinha zarpado, Dux e Pajé saíram com poucas horas de diferença. Dux para os EUA, Pajé para Grenada.
terça-feira, 10 de junho de 2008
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário