terça-feira, 10 de junho de 2008

Salvador - Trinidad - dezembro/2007 a abril/2008

Chegamos a Carriacou, Grenadinas ontem no meio da tarde. Finalmente encontramos aquela água que procurávamos - azul piscina. Estamos ancorados em 3 metros de água, vendo a sombra do barco no fundo de areia, os ventos alíseos soprando lá pelos seus 20 nós (uns 36 km/h), sol forte e a beleza de Tyrrel Bay ao nosso redor. Maravilhoso.

Agora, chegar aqui deu um pouco de trabalho. Temos que voltar quase 6 meses atrás e retomar nossa história de onde paramos: Itaparica, Bahia.

Chegamos à Itaparica vindos de João Pessoa no início de dezembro para esperar pelo Ali, que iria passar suas férias conosco. Achamos que Itaparica seria bem melhor para ele aproveitar o barco e também mais próximo para recebermos os amigos de São Paulo.
Enquanto o super-sagui não chegava, a Paula fez um curso de mergulho em Salvador. As aulas práticas eram dadas na praia do Portinho, ao lado do Farol da Barra.

Um barato - vimos polvos, moréias e tartarugas. Em um dos mergulhos a praia estava tomada por evangélicos vestidos de branco. No palco os pastores berravam, cantavam e conclamavam os fiéis que quisessem ser batizados a passarem na secretaria do evento e pagarem por sua pulseirinha-batismo. Sem din-din, necas de batismo! No meio dessa zona toda, lá vem Ana Paula toda faceira com sua roupitcha de borracha, colete, lastro, cilindro, regulador, nadadeiras, máscara, snorkel, toda a parafernália enfim. Pelo jeito que as pessoas a olhavam e se afastavam fiquei só esperando um pastor aparecer e soltar um “te esconjuro, vade retro Satanás!” mas infelizmente nada disso aconteceu e ela e seus colegas conseguiram atravessar a turba e entrar na água.

Curso concluído, fomos ao batismo e o Pajé foi de padrinho/dive-boat. O local escolhido foi um naufrágio – Artemísia - no banco de Santo Antonio, bem na entrada da baia de Todos os Santos. Depois de certo trabalho para achar os destroços e amarrar o Pajé caímos na água. Uma tremenda correnteza, mas deu pra aproveitar. Essa Paula é muito chique mesmo, mergulho de batismo e já rola um naufrágio!

De volta a Itaparica reencontramos o Santa Paz com Sandra, Lucas e as pequenas Clara e Julia. Agora amigos íntimos, pois já havíamos nos encontrado em Abrolhos, Recife e Noronha.

Amigos íntimos e queridos também se tornaram Bernadete e Reinaldo do Leoa Louca, já conhecidos de Paraty. Um casal altíssimo astral, nos divertimos muito juntos em jantares no Pajé e Leoa Louca, passeando e assistindo aos shows de Bernadete e Reinaldo no bar/restaurante da marina de Itaparica. Ele nos teclados e ela no gogó.

Logo após o Natal chega nosso Homem-Aranha e tudo fica em ritmo de aventura.
Acordar cedo, esquiar (ele já fica de pé na prancha de surf), nadar, saltos acrobáticos da plataforma do Pajé, cozinhar (brownie dia sim, dia não), lutar, jogar damas, trilha, ludo, xadrez!

E logo depois do Ali chegam o Rodrigo e Andréa Bibs com os pequenos Diego e Piera. Amigões de verdade, daqueles capazes de rodar 2000 km nas belíssimas estradas brasileiras e ainda por cima nos agüentar por uma semana! Um super presente de aniversário pra Paula ter a companhia da amigona a bordo do Pajé.

Foi aquela farra da molecada e dos adultos também. Fomos até o Convento de São Francisco do Paraguassu, nos perdemos (me perdi) tentando achar a cachoeira da pedra furada (depois nos disseram que nessa época ela seca) e vivemos algumas outras pequenas aventuras. Passamos o reveillon juntos com direito a champagne e um super jantar preparado pelas Chefs. O Rodrigo não deixou por menos e organizou a bagunça antes e depois. Pena que foram embora logo.



O bom é quando depois de um amigo vem outro: poucos dias depois embarcamos dois tripulantes veteranos - a Andrea Fogosa, quero dizer, Lustosa e o filhote Fred. A pobre Andrea teve que trazer (além do Fred e seus brinquedos) dois rádios VHF e um dinossauro de brinquedo, presentes que ganhamos da Nina e do Cláudio.

Realizamos diversos passeios deliciosos e a criançada (os dois do Pajé mais as meninas do Santa Paz) se esbaldou nas águas claras e rasas da Coroa do Limo. Reinaldo e Bernadete foram companhia constante nos melhores momentos.


O Pajé parecia um cassino com tantos jogos. Ficamos fanáticos pelo Uno e disputávamos uma partida atrás da outra (tanto que a Andrea deu o Uno dela de presente pra gente... e confessamos, a Paula e eu jogamos muitas vezes só os dois quando todos tinham voltado pra SP).



Num desses dias fomos convidados pelo casal Leoa Louca para um passeio no Vendaval, famoso saveiro da baía de Todos os Santos. Sensacional ver a tripulação manobrando o barco com os varapaus para sair do cais e nos levar a um lugar onde houvesse vento. Como estava demorando um pouco demos uma forcinha empurrando com o bote do Pajé que levávamos a reboque.






Imaginem o privilégio: empurrar uma lenda viva com o bote! O Ali, óbvio, pulou no bote e aí fiquei orgulhoso mesmo com os comentários do pessoal do saveiro sobre como o guri era safo. De quebra, como lembrança ainda ganhamos um monte de farinha de mandioca.

O aniversário do Ali foi comemorado diversas vezes com direito a bolo prestígio, brigadeiros, beijinhos, Pajé decorado com cem balões, presentes, parabéns a você, velinhas e tudo mais. Uma delícia.










Mas chegou o carnaval e ela não desfilou pra mim...
De quem era essa música mesmo?

Enfim, o carnaval chegou e nós não fomos a nenhum trio elétrico, não compramos abadás e não acompanhamos os desfiles.
Mas uma grande amiga veio a Salvador a trabalho: a Claudinha. Foi uma visita de médico, é verdade, mas Paula e Claudinha conseguiram tirar uma tarde de folga pra almoçar e colocar a fofoca em dia. Foi o mais perto que chegamos do tal Carnaval.

O retorno da Paula ao Pajé depois desse almoço foi uma aventura. A barca que faz a travessia Salvador-Itaparica quebrou no meio da baía e aí foi aquele auê, com direito a reboque, gritaria, corre-corre e horas de atraso.



Voltamos os três de avião para SP para mais uma festa de aniversário do Ali e seu primeiro dia de aula na escola. Demais ver o bichinho de uniforme e mochila. Tanta água pela frente...

Aproveitamos a temporada em SP para matar a saudade da família e amigos, e fazer um bom estoque do carinho deles todos pra agüentar a saudade que estaria por vir.

E o que era pra ser uma estada de três dias acabou se alongando para mais de duas semanas em função da troca de apartamento da Delícia, a sogra mais sensual do planeta.
Corretores, certidões, cartórios, tabeliões, documentos, cópias autenticadas, aquelas coisas. Aliás, por conta dessa transação imobiliária e das autorizações de viagem para o Ali tivemos o privilégio de abrir firmas em quase todas as cidades pelas quais passamos. Assim, caso vocês queiram reconhecer nossas assinaturas poderão escolher entre os cartórios de Paraty, Ilhéus, Cabedelo, Itaparica e até mesmo a embaixada brasileira em Trinidad.

As despedidas em aeroportos sempre nos dão aquele nó na garganta. E desta vez não podia ser diferente. Iraci, Simone e Paula trocaram abraços apertados, carinho, emoção, as vezes falada, as vezes apenas sentida. A Paula ganhou da mana Simone um coelhinho de pelúcia cor de rosa, que virou o mascote do Pajé e cada hora está pendurado num lugar. As manas estão cada vez mais próximas e morrem de saudade...


E nessas duas semanas em SP quem ficou de babá do Pajé foi o casal Reinaldo e Bernadete. Mas o Pajé se comportou bem e não deu trabalho.
Mas logo após nossa volta um acontecimento nos fez prometer não mais viajar e deixar o Pajé ancorado sem ninguém dentro.

Na segunda noite após nosso retorno a Itaparica entrou um tremendo vendaval de Noroeste com chuva, raios e tudo mais. E esta direção é uma das poucas em que a ancoragem que estávamos fica desabrigada.
Já havíamos nos deitado e estávamos atentos ao vento que começara forte e repentino quando ouvimos vozes muito próximas. Olhei pela gaiúta da cabine de proa a tempo de ver um enorme trimarã vindo de lado em nossa direção. Saltei pra fora, peladão mesmo e dei de cara com a mulher do outro barco também semi-nua ao lado do marido tentando evitar o choque. Nisso a Paula pula pra fora também (vestida, já que ela é uma mulher de respeito) e toca a empurrar o barco pra longe. Mas não teve jeito, ele bateu no nosso púlpito de proa, girou e foi correndo pelo nosso costado de bombordo, arranhando tudo. E o vento acelerando. Começa a chover e relampejar. Em instantes a gente já estava sacolejando que nem louco.

O trimarã parou a uns 40 metros na nossa popa. A Paula foi dar uma olhada na proa e voltou dizendo que havia uma ancora enroscada no nosso púlpito.
Fui ver e gelei: não só a ancora dos caras estava lá, mas a corrente também!

Ou seja, quem estava segurando o trimarã éramos nós. E claro, o vento aumentando enquanto tentávamos nos desvencilhar. Agora nossa proa entrava na água a cada onda que passava. A coisa ficou perigosa demais e desistimos de tentar soltar o enrosco. Diversos barcos próximos começaram a garrar (arrastar a ancora) e a tranqüila ancoragem virou uma zona.

Ligamos o motor e a Paula ficou no leme tentando manter o barco aproado (de frente) para o vento para reduzirmos a tensão na nossa ancora e não garrarmos também.
Pulei no bote (pulei mesmo, porque as ondas deixavam o bote hora mais alto que nossa popa, hora bem mais abaixo).
E fui lá conversar com o sujeito do trimarã. Expliquei o que tinha acontecido (pelo jeito ele já sabia) e pedi pra ele ligar o motor também para que eu pudesse nos soltar. Aí ele me falou que estava sem motor! Sugeri então que soltasse a corrente e ancora que estavam enroscadas e usasse a sua de reserva, mas ele se recusou. Fiquei indignado. Perguntei se ele tinha seguro, porque se os dois barcos fossem dar na praia o prejuízo ia ser grande. E este diálogo surreal se travando na maior chuva e vento, no meio da noite e eu sacolejando dentro do bote.

Nada resolvido, voltei ao Pajé e foi ainda mais difícil subir de volta, mas “a nível de pai do Homem-Aranha” dei um jeito. A Mary Jane Paula estava realizando um excelente trabalho no leme e assim ficamos por algumas horas até o vento diminuir. Quando isso aconteceu o sujeito apareceu e fomos os dois mergulhar para desenroscar as ancoras.

No dia seguinte foi até engraçado: não tinha nenhum barco na sua posição original, todo mundo tinha mudado de lugar. Outros barcos se enroscaram com algum prejuízo. Nosso prejuízo foi uma grande mancha amarela no costado e eu não ter prestado atenção na peladona do trimarã...

Na manhã seguinte fomos a Salvador reabastecer e nos preparar para a viagem ao Caribe e lá reencontramos o primo Walfredo, com as já conhecidas conseqüências. Ele nos levou as compras, para beber e jantar esplendidamente. E nessa noite voltou a ventar e chover muito. Tanto que ficamos ilhados e não conseguimos retornar a marina. Passamos algumas horas na varanda do apto do primo observando diversos carros serem arrastados pela enxurrada. Noite muito mal dormida, pensando no nosso barquinho na marina... Mas tudo ficou bem.

A viagem até Natal foi tranquilíssima e com muito pouco vento. De nota, só o garlindéu (peça que une a retranca ao mastro) – já expliquei o garlindéu, agora se você não sabe o que é retranca e mastro, pergunte a algum outro amigo velejador - que se soltou e tivemos que dar um jeito. Demos uma boa motorada e chegamos a Natal amanhecendo, muito bonito. Não conhecíamos a nova ponte na barra do rio Potengi e ficamos impressionados.







O Iate Clube de Natal nos recebeu muito bem, com cortesia e profissionalismo.
Esperávamos uma estada curta, o suficiente para comprar alguns suprimentos, diesel, água e dar saída do país. Ficamos uma semana. Sabe como é... Perdemos um dia só para trocar o rotor da bomba de água do motor. Parecia simples, e é, se você tem as ferramentas. Nós não tínhamos e arrebentei a mão inteira, espanei um parafuso, uma miséria enfim. Depois que conseguimos a chavinha certa, ficou moleza.
Obviamente passeamos pelo centro de Natal em busca das usuais rebimbocas e parafusetas para o Pajé e saboreamos um delicioso peixe na Ponta Negra seguido a compra de um respeitável estoque de cachaças para nossa adega.













E num belo dia levantamos ancora, crentes que teríamos uma bela velejada com os favoráveis ventos alíseos. Que nada. Nada de vento. Boiávamos, boiávamos. Comentei com a Paula: isso aqui tá até parecendo a ITCZ, a zona de calmarias, mas deveríamos encontrá-la mais ao norte.
Boiamos tanto que resolvemos ir no motor devagarzinho. Para compensar, avistamos os sempre festivos golfinhos rotadores. A noite um pássaro não identificado pousou na cruzeta e lá ficou boas horas. Pela manhã outro pequeno pássaro veio nos visitar e tornou-se intimo: chegou pela escota da bujinha, mudou para o suporte do motor de popa e foi se instalar no dodger (proteção contra os borrifos na entrada da cabine). O cara ficou chegado.
Tiramos várias fotos e ele aceitou nossa água numa tampinha de garrafa e comeu um pouco de granola. Descansou e se mandou. Como agradecimento, civilizado que era não fez nenhum cocozinho no Pajé. Bonitinho...

Estávamos nessa quando avistamos uma vela ao longe e chamamos no rádio. Era o Thorgal, o catamarã do Georges e Elke que havíamos conhecido em Salvador, que também rumava para o Caribe. Nos avisaram que iriam parar em Fortaleza pois tinham obtido uma previsão de um grande swell (ondulação) vindo em nossa direção. Bom, resolvemos parar em Fortaleza também. Não deu outra. Na segunda noite em que estávamos na marina entrou o tal do swell. Foi outra noite miserável. Pajé e Thorgal sofreram lado a lado, tomando trancos e arrebentando cabos de amarração. No dia seguinte víamos a espuma das ondas arrebentando no quebra-mar e voando alto.


Bem, nessa se passou mais uma semana. Além do swell a zona de calmarias também estava sobre nós. Monitorávamos constantemente a meteorologia esperando uma oportunidade para zarpar. O swell já estava de um tamanho que dava para encarar, só faltava vento. Nossos vizinhos tornaram-se grandes amigos e depois de uma semana resolvemos, Pajé e Thorgal, sair no motor por quase trezentas milhas para o mar aberto em busca do vento e só aí seguiríamos rumo à Trinidad.

Saímos numa quinta-feira e começamos a motorar com pouquíssimo vento e na cara...
Cruzamos a linha do Equador, a Paula foi devidamente batizada e tomamos um prosecco comemorativo. Achamos o vento umas 40 horas depois, mas com um tempo pesado, cheio de pirajás (nuvens que trazem vento e chuva). Por isso íamos com as velas rizadas, retardando nosso andamento, mas não dava pra ficar tirando e colocando pano a cada duas horas.











Depois de alguns dias assim o vento firmou pela alheta e aumentou bastante, mas entrou um swell pelo través. O mar ficou bem chatinho. Pouco depois, como se não bastasse, encontramos uma corrente contra. Aí o mar ficou bem chatinho mesmo. E nada de sol. Numa madrugada dessas o GPS deixa de funcionar e em seguida o piloto automático também pifa.

Olhamos um pro outro sem acreditar. Ninguém merece. Ainda faltava uma semana para Trinidad e só tínhamos pegado pauleira até ali. Decidimos parar em Cayenne para arrumar as coisas e descansar, afinal não precisávamos de sofrimento. Com a mudança de rumo as ondas começaram a vir pela popa e a aumentar, pois as profundidades estavam diminuindo. Consultamos as cartas piloto e lá alertavam para os
“heavy rollers” dessa costa. Já estava heavy o suficiente pra gente, pois duas ondas quebraram de uma maneira que não gostamos, uma delas na nossa alheta de bombordo arrancando nossa proteção contra borrifos. A coisa só ia piorar quando chegássemos a profundidades ainda menores. Conversamos novamente e julgamos melhor enfrentar a timoneada na mão e com o GPS reserva do que aturar as tais das “heavy”...





























Dois dias depois o tempo melhorou e tudo ficou muito mais gostoso. Ficou tão calmo que tivemos mais um pouco de calmaria, só rindo mesmo...


Chegamos a Chaguaramas, Trinidad numa tarde ensolarada depois de 13 dias de viagem. Imensos golfinhos nos recepcionaram na entrada da Boca de Monos, um dos estreitos que unem o mar do Caribe ao Golfo de Paria.










Agora o que foi mesmo maravilhoso e louvável nessa história toda foi a primeira dama do Pajé. Nasceu pra isso o meu amor! No meio da pauleira, de noite, de dia, na chuva, no ventão, sempre estava com um sorriso no rosto, atenta e carinhosa. Além de a Paula ter feito os turnos, trimado velas, timoneado e navegado ela ainda conduziu a cozinha de bordo com maestria. Não comemos miojo, acreditam? Eu me segurando lá no cockipt e sai a Paula da cozinha sorrindo com filé incrementado, picadinho com arroz selvagem, mignon suíno ao forno, frango assado, sobremesas e pão feito na hora. Inacreditável. Reparem na foto o pão recém assado e o tamanho da “ondinha” atrás da Paula. Eu amo essa mulher!

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