Rumamos para Canouan e os dois barcos trabalharam bastante por algumas horas em uma orça apertada. A ilha é pequena e sem muitos atrativos. Uma boa parte pertence a um grande resort com campo de golfe e tudo mais. Ancoramos próximo a uma base da Moorings, uma grande empresa de charter. Fortes rajadas de vento desciam das colinas e faziam os barcos sambarem de um lado pro outro. Demos uma caminhada pela vila, subimos o morro para avistar os dois lados da ilha e como nada nos empolgou saímos no dia seguinte com destino a Bequia, 20 milhas a Norte-Nordeste.
A navegada até Bequia foi muito tranqüila e rápida. A ancoragem principal é em Admiralty Bay, uma grande baía com belas praias. Muitos veleiros espalhados pelo local. Ancoramos perto de um catamarã com bandeira canadense. Água cristalina.
A orla é muito charmosa. Diversos estabelecimentos estão localizados bem junto ao mar e uma estreita calçada permite que você caminhe entre os mesmos e a água. Muitos dinghy-docks (pequenos atracadouros para os botes) facilitam o acesso ao comércio. Os tais dinghy-docks estão por toda a parte aqui no Caribe e são muito utilizados, parece estacionamento de shopping center, difícil achar vaga as vezes. Muito melhor do que parar na praia, descer molhando os pés e ainda ter que arrastar o bote para longe das ondas.
Ao final da tarde, curtindo o visual do cockpit somos brindados com o casal do catamarã canadense tomando seu banho peladinhos na popa. Mostrei pra Paula, que não se interessou pelos atributos do sujeito. Também não me interessei pelo sujeito, mas não pude deixar de notar que a porção feminina da tripulação era beeem avantajada em sua parte superior...
Levamos a genoa para costurar, já que a mesma havia sido rasgada pelos trogloditas que instalaram os estais e o novo enrolador. Esses caras, aliás, além de terem rasgado a vela conseguiram perder peças, danificar nossa antena do rádio SSB, colocar nosso bote na água sem o bujão (tampinha que veda a entrada de água), emporcalhar o convés inteiro e outras... Uma lástima.
Quando estamos recolocando a vela no lugar ouço um estalo muito estranho e a adriça (cabo usado para içar a vela) fica frouxa de repente. Subimos ao tope do mastro e encontramos a junção do enrolador/headfoil partida em dois! Não fazia duas semanas que havíamos trocado tudo. Escolhemos uma das melhores marcas – Harken - e tudo foi instalado pelos “profissionais”. Inacreditável! Sem enrolador de novo!
O Tutatis também estava tendo problemas com suas baterias recém instaladas. Barcos...
Conversando durante uma pizza concluímos que não valia a pena continuar subindo em direção a Santa Lucia com o Tutatis sem baterias e o Pajé sem enrolador, ainda mais por já estarmos na Hurricane season. Para compensar iríamos a Mustique, que não havíamos visitado na subida até aqui.
Bem, pelo menos essa história do enrolador serviu para a Paula tirar umas boas fotos do alto do mastro e ilustrar o cabeçalho do blog.
Mergulhávamos durante o dia e corríamos no final da tarde. Um lugar delicioso de fato. Numa das noites a Paula e eu mergulhamos pelos corais próximos de lanterna em punho e nos divertimos muito. Nadar pelado a noite é mesmo muito bom!
Por falar em pelado, adivinhe quem aparece em Mustique e (para desespero da Paula) fica bem ao nosso lado? Isso mesmo, a nossa Fafá canadense...
Mais divertido ainda é observar as galinhas. Quer dizer, não são galinhas, mas como não somos correspondentes da National Geographic não vamos entrar aqui numas de catalogar os animais tipo assim “avis caribicas”. Para facilitar chamaremos esses pássaros de galinhas. Na maior parte das ancoragens por aqui sempre encontramos essas “galinhas”. Por estarem habituadas aos barcos e seus costumes elas já desenvolveram alguns comportamentos peculiares. Basta você se sentar a mesa no cockpit e um bando se aproxima, com algumas sobrevoando o barco e outras boiando bem ao lado. Você começa a comer e elas começam a algazarra. Ficam te olhando e grasnando, reclamando. Impressionante. E quando se atira restos de comida aí é que a coisa pega pra valer. A habilidade com que essas aves apanham a comida no ar é absurda.
Passado o frenesi, lá vão elas para o próximo barco. Acho que elas nem pescam mais, tantos barcos por aqui.
Aqui nos separamos do Tutatis, que voltou a Grenada para resolver seu problema com as baterias. Nós fomos a Mayreau, pois teríamos que esperar as peças do enrolador chegarem a Trinidad.
Estávamos de olho em Mayreau há algum tempo, pois pelas indicações nas cartas náuticas e nos guias parecia muito convidativa por alguns motivos: é colada no Horseshoe reef, tem apenas duzentos habitantes, 3 km quadrados e uma pequena baía. Chegando lá, confirmamos nossas melhores expectativas - uma pequena baía com belíssima praia de areia branquinha e os indefectíveis coqueiros, água ultra-transparente e um laguinho de tão calma. O melhor de tudo é que esta praia está separada de outra apenas por uma estreita faixa de areia e coqueiros. A outra praia é relativamente extensa, protegida por uma barreira de corais, águas rasas e com vento! Ou seja, ideal para kitesurf. Mal podíamos acreditar. Os kites estavam mofando dentro do barco desde João Pessoa. Na realidade, havíamos tentado em Tobago Cays, mas tivemos o azar de rasgar o kite da Paula na hora de montar e não conseguimos velejar por lá.
Num ou noutro pulinho mal dado cheguei a encostar o fofo nos corais quando caía, mas sem maiores conseqüências. As ondinhas estavam pequenas, transparentes e bem formadas, irresistíveis enfim. Só precisávamos tomar cuidado ao decolar e pousar, pois a faixa de areia é bem estreita e qualquer vacilada perde-se o kite na vegetação espinhosa. Conhecemos o Hans e a Kristen do veleiro Whisper que estavam aprendendo a velejar de kite e conseguimos ajudá-los um pouco. Eles nos contaram que aquela praia foi usada em uma das cenas do filme Piratas do Caribe.
Vimos chegar o Milo-One, que Georges e Elke nos haviam falado a respeito. Em instantes nos tornamos amigos da Sabrina, Yvan e seu filhinho Oscar, de dois anos e meio de idade. Apesar das conversas serem realizadas num misto de francês, inglês e português nos entendíamos perfeitamente e passávamos divertidas horas juntos todos os dias na praia ou nos barcos. Brincar com o Oscar aumentou ainda mais a saudade do burugundunzinho... E também chegou por lá o Sergio do Guizzi, mas como skipper em um outro veleiro com passageiros em charter.
O John e a Ann do veleiro Livin´ the Dream organizavam um jogo de vôlei na praia todas as tardes. Parecia uma sala de reuniões na ONU, tantas nacionalidades presentes. Não posso me furtar a comentar que o combinado Brasil-Suécia fez bonito...
Quando estava tudo assim, maravilhoso, quebra nosso dessalinizador (também novo e recém-instalado). Saco. Aí não teve jeito, tivemos que começar nosso retorno a Trinidad. Junto com o Milo-One retornamos a Union para dar saída do país e de lá fomos para Carriacou. Como o Yvan e a Sabrina também têm bicicletas a bordo demos uma boa pedalada por lá. Quer dizer, a Paula e eu demos uma boa pedalada. As bicicletas do Milo-One, além de dobráveis são motorizadas eletricamente. Assim, nas subidonas os dois desapareciam dando apenas um toquinho nos pedais enquanto os pobres do Pajé pagavam seus pecados ao implacável sol do meio-dia.
Aliás, esse negócio de sol do meio-dia já virou piada para nós. Em tudo quanto é lugar, não importa se o programa é passear, fazer compras, ir atrás de peças pro barco, enfim, qualquer atividade acabamos fazendo sempre debaixo de um escaldante sol ao meio-dia. Tentamos nos planejar para evitar, mas por um ou outro motivo sempre acabamos fritando. Mesmo com protetor solar e boné é muito sol, acaba com a gente.
Quando estamos derretendo ao sol, caminhando de chinelos, cheios de sacolas, mortos de sede, por vezes perdidos, avistando miragens eu sempre pergunto pra Paula que horas são. A resposta, óbvio, meio-dia. E caímos na risada. Pobre também ri a toa.
E que prazer encontrar um botequinho e tomar uma cervejinha bem gelada. Tão simples, tão bom.
Retornamos do passeio de bicicleta e quem vemos em Tyrrel Bay? Isso mesmo, o catamarã canadense, só que dessa vez (para minha decepção) ancorado longe do Pajé. No dia seguinte o Yvan e eu resolvemos dar uma velejada de windsurf já que o vento, apesar de inconstante, estava forte. Claro que até montarmos os dois equipamentos, etc e tal quando caímos na água o vento tinha acabado. Um clássico. E toca a guardar tudo de novo. Como a velejada havia sido frustrada, caímos na água para limpar o fundo do barco. Minutos depois uma grande arraia se aproxima curiosa e fica nadando ao nosso redor, atenta. Foi engraçado. Em geral quando mergulhamos temos a sensação que somos os observadores, mas desta vez nos sentimos os observados.
De Carriacou fomos a St George´s em Grenada, onde fizemos compras e abastecemos de água. A ancoragem dentro da baía de St George´s, antes pública, foi cedida a uma marina e agora se paga para ancorar. Coisas do progresso.
Deixamos Grenada ao final do dia em direção a Tobago, que ainda não conhecíamos.
Mas ainda não ia ser desta vez. O vento e o mar estavam bem na cara e andávamos a menos de 4 nós, enfiando a proa na água a cada onda que passava. Eu, grande navegador, estava com tal dor nas costas que mal conseguia me mexer. Depois de algumas sofridas horas nessa situação decidimos mudar o rumo para Trinidad, evitando navegar contra o mar e vento. A almirante Paula novamente mostrou grande competência e conduziu seu barco e velho marinheiro com segurança.
Chegamos a Trinidad pela manhã, fizemos imigração e contatamos todos nossos caros e confiáveis fornecedores. Como desgraça pouca é bobagem, desmontamos o acoplamento do motor ao eixo e descobrimos que precisamos trocá-lo...
Assim, tudo indica que nossa estada por aqui vai ser como foi da outra vez, cheia de trabalho.
Mas tudo tem seu lado bom: reencontramos Alex & Kátia e Georges & Elke. O pessoal do Milo-One também está por aqui. Não vai faltar boa companhia para a Paula quando eu for ao Brasil apanhar o super sagüi, meu guri, moleque, amado burugundunzinho Alex para passar suas férias conosco.
Escrevemos um tempo atrás que amigos são mesmo tudo de bom. Vamos finalizar este relato com um texto que nos deixou emocionados. O amigo-autor, modesto, quer permanecer anônimo...
Nunca gostei muito disto, mas o fato é que eu nasci em janeiro e, portanto o meu aniversário é sempre nas férias. Quando eu era pequeno, na década de 60, eu estava em casa na véspera do meu aniversário e a minha mãe prometeu me fazer um bolo de chocolate para comermos no dia seguinte, com uns primos que viriam na minha festinha de aniversário, à tarde.
Sentei-me à mesa na copa, contígua à grande cozinha da nossa casa no Ipiranga e debrucei-me na mesa enquanto o bolo estava assando no forno. Era janeiro, fazia calor em São Paulo e um ventinho fresco entrava pela janela acima de mim. A programação da televisão só começava depois das 18:00 horas e eu, então, adormeci. E sonhei como sonham os meninos em férias na véspera do aniversário.
primeiro da tripulação a chegar, já coloquei minhas coisas na cabine de proa. O Mario e a Paula haviam colocado todas aquelas tranqueiras que a gente vai colecionando dentro do barco, na proa, rebatido todas para bombordo e colocado o colchão sobre elas, de tal sorte que ficou um nicho super aconchegante entre o
colchão e o costado, como uma toca, bem abaixo da gaiúta de ventilação.