quinta-feira, 12 de março de 2009

Kuna Yala - dezembro/2008 a fevereiro/2009

Nossos últimos três meses foram os melhores que tivemos até agora. Tão bons e agitados que nem conseguimos atualizar o blog (a falta de acesso a internet também contribuiu, claro). Mas voltando a dezembro de 2008, enquanto aguardávamos a chegada do guri e Cia fizemos um rápido reconhecimento das ilhas mais conhecidas na parte oeste de Kuna Yala e aprendemos um pouco mais sobre a cultura local.
Também conhecido como San Blas, este nome não é usado pelos índios Kunas por ter sido dado pelos invasores espanhóis. Um lugar único pela beleza natural e pela capacidade da civilização Kuna preservar seus costumes. O território Kuna é autônomo e administrado pelos nativos. Assim, a terra não é dividida em propriedades individuais, não há muros e cercas. Não Kunas são proibidos de se estabelecer, adquirir propriedades, investir e casar-se com Kunas. As vilas geralmente têm três chefes, os Sailas. As pessoas reúnem-se tipicamente as noites em uma grande cabana, o “congreso” onde as situações são discutidas, histórias são contadas, músicas são cantadas e a cultura comum reforçada. O território Kuna como um todo é governado por três Caciques, cada um representando sua parte do território. Um deles é o chefe supremo da nação Kuna.
A economia é baseada principalmente na cultura de coco. Por isso, pegar um coco, mesmo caído, é ofensa grave. A venda de molas, bonito artesanato, e a pesca também fazem parte da receita das famílias. O meio ambiente é tratado com extremo zelo, nenhum tipo de mineração é permitido. Além dos cocos, pesca e molas, o turismo passa a ter uma participação crescente na economia Kuna. Em determinadas ilhas paga-se cinco dólares pelo direito de ancorar. Alguns Kunas cobram um dólar para se deixar fotografar. Diversos Kunas saem para estudar e voltam obviamente influenciados. Vimos alguns empreendedores com seus pequenos negócios levar turistas em excursões de canoas, hospedá-los etc. Como aqui só se chega por mar ou de mini-avião em pequenas pistas mal feitas, o turismo e turista típicos ainda não são encontrados.
A sociedade Kuna é matriarcal, a mulher controla o dinheiro e quando se casam o marido muda para a residência da mulher. Notamos uma grande quantidade de homens Kunas efeminados, fazendo e vendendo molas. Há também um grande numero de albinos, provavelmente resultado de não se casarem fora de sua comunidade.
Todo dia encosta alguma canoa tentando vender molas, lagostas, ovos, pão ou simplesmente pedir anzóis, doces e enfeites. São todos muitos sorridentes e simpáticos. Achamos até que são assim por não terem sido dominados, oprimidos e privados de suas tradições. Não se vê aquele rancor contra os estrangeiros/turistas tão presente em outros lugares.
Outra coisa que também leva a reflexão é como os Kunas vivem: em palhoças, sem móveis, sem água encanada, sem luz elétrica, piso de terra batida. Os banheiros são “casinhas” construídas sobre palafitas. Ou seja, vivem em condições que costumamos associar a pobreza e subdesenvolvimento. Na tentativa de manter sua cultura intacta os Kunas também tem se mantido distantes de uma série de confortos e problemas que vem geralmente atrelados a sociedade e ao sistema econômico aos quais estamos habituados.

E tudo isso já causa situações insólitas, como o dia que fomos abordados por Kunas em sua canoa. Depois de um tempo numa conversa sem pé nem cabeça onde ninguém se entendia eles começaram a falar “celular”. Pensamos que queriam usar nosso telefone e tentamos explicar que não tínhamos. Aí um deles sacou um celular e um carregador. Finalmente entendemos que estavam nos pedindo para recarregar o aparelho. Saltos tecnológicos. O sujeito tem celular e não tem energia elétrica para recarregar. Como prosseguirá a adaptação de Kuna Yala a esse nosso mundinho de que reclamamos tanto? A felicidade estará na eletricidade?

Como pelas ilhas achar provisões não é fácil, fomos a Puerto Lindo, umas 40 milhas a oeste, para completarmos a despensa que estava nas últimas. Um mar enorme, balançamos muito. De lá dividimos um táxi com o Milo One e fomos ao supermercado em Colon.

De volta ao arquipélago reencontramos em Green Island o Bicho Vermelho com Bel e Bob e o Infinity com Frank e Gretchen. Reencontro devidamente comemorado com uma super moqueca de lagosta, caranguejo, lulas e camarão. Passamos bons dias velejando de kite.

E numa bela manhã chegam Alex, Pil, Ricardo, Allan e Belle, nossa nova tripulação para as festas de fim de
ano. Vieram carregadíssimos de encomendas, presentes e provisões.
Como primeira parada fomos a Coco Bandero, um conjunto de ilhas onde estão as mais belas praias daqui em nossa opinião. De lá iniciamos um delicioso passeio pelas nossas outras ilhas preferidas. Visitamos um naufrágio e a molecada se divertiu mergulhando entre os escombros, com destaque para a Belle que não se cansava de atravessar um túnel submerso e também foi a campeã de plantar bananeira dentro d’água.













Dia 22 de dezembro de 2008 ficará registrado na historia Kuna como a data de um dos maiores e mais animados eventos festivos realizados num veleiro. O aniversário da Almiranta Paula foi concorridíssimo. A popa do Pajé ficou pequena para tantos botes que ali buscavam atracar. Champagne, vinho, cachaça, cerveja, pastis, bolos, brigadeiros e tortas misturavam-se as três ou quatro línguas faladas no cockpit. Pois é, Dona Paula é prestigiadésima na comunidade cruzeirística... E este dia já tinha se iniciado com muitos balões, presentes e todo mundo amontoado na cabine de proa cantando parabéns pra você. Muitas felicidades meu amor, você merece!

Nossos dias com a turma toda adquiriram uma certa rotina: Ricardo passava longas horas com os olhos cerrados, em profunda reflexão no convés do Pajé. Nos intervalos, valente, se encarregava de lavar a montanha de pratos gerada pós alimentação dos sempre famintos jovens. Pil e Paula coordenavam a bagunça da melhor maneira possível, e posso assegurar que não foi uma tarefa fácil, o Ricardo dá muito trabalho. Eu ganhei dois excelentes assistentes de mergulho. Todas as vezes que caia na água era acompanhado pelos meus fiéis escudeiros. Quer dizer, o Ali às vezes preferia ficar num joguinho no barco ou fazendo qualquer outro tipo de bagunça, mas o Allan (vulgo boca nervosa) me seguia incansavelmente enquanto mergulhávamos por horas buscando peixes e lagostas para alimentar a tripulação. Demos muita sorte, sempre voltávamos com peixe. Em Holandes Cays ancoramos muito próximos a uns corais e descobrimos que o local estava lotado de pargos rojos, o melhor peixe daqui, tão cobiçado quanto a garoupa. Fizemos a festa. Muitos peixes grandes e deliciosos, divididos com nossos amigos do Milo-One, Bicho e Infinity. O Allan adorou a brincadeira.


O Natal e ano novo foram comemorados nesse ritmo, com os dias lotados de atividades e brincadeiras, muitos jogos no cassino de bordo, a cozinha trabalhando ininterruptamente, um céu maravilhoso, a água cristalina, vento gostoso, noites estreladas, papos tranqüilos. Em Morbedup ancoramos com as popas dos barcos bem perto da praia, amarradas as arvores. Para ir à praia bastava um pulinho. Um super churrasco no dia 25 reuniu na praia Pajé, Infinity, Bicho e Milo. O Bob fez bonito comandando a grelha.
A garotada se comportou muito bem e acreditamos que coletaram muito material para a redação sobre as férias... Mas o Ricardo estava esgotado de tanto lavar pratos e por tanta reflexão na sombrinha do convés. Antes que tivesse uma estafa terminal resolveram voltar a São Paulo. Nos deixaram com os corações e a despensa vazios! Como sempre, passou muito rápido, mas foi muito legal. Pelo menos o sagüi ficou conosco, e com ele a agitação continuou.




As velejadas de kite cederam espaço para o mergulho. Como estávamos dando sorte cada dia passávamos mais tempo dentro da água. O Frank e a Gretchen converteram-se e todos os dias lá íamos nós em busca de comida. O Loki, cachorro deles, adora peixe e come quatro vezes ao dia... Por várias vezes passei mais de 6 horas mergulhando. Mas o esforço era muito bem recompensado: apanhei uma garoupa imensa, uma vaca, melhor dizendo, tão grande que era. Mais de um metro de comprimento, uns 80 e tantos cm de circunferência! Achamos que devia pesar mais de 25 kg. Era mais pesada que o Ali com certeza. Apesar de eu ter ficado com a consciência ecologicamente pesada, a tal garoupa alimentou vários barcos por vários dias. E como alimentou bem. Descobrimos que sashimi de garoupa é uma delícia. Também aperfeiçoamos nossa técnica de arpoar lulas: como estávamos em quatro ou cinco pessoas mergulhando nos divertíamos cercando os cardumes e garantindo nossos macarrões com calamares. A Paula está mergulhando cada vez melhor, entra nas tocas, traz seus peixes e descobre lagostas como ninguém.
O Ali foi uma grande companhia como sempre. Apesar de não termos convivido com muitos outros barcos com crianças nesse período, ele se divertia muito quando isto acontecia e segurava a onda quando só tinha adultos para brincar. E valente como sempre não se intimidou com as arraias e barracudas enormes e, vejam só, adorou ficar mergulhando próximo aos tubarões daqui.
Os “nurse sharks”, como são chamados os tubarões lixa por aqui, são muito tranqüilos, nadam vagarosamente ou ficam deitados no fundo, muitas vezes com a cabeça dentro dos corais. Como os víamos todos os dias, o tempo todo, nos acostumamos a eles e continuávamos mergulhando e pescando sem dar muita bola. Até que um dia tomei uma corrida de um com uns dois metros de comprimento. Havia arpoado uma barracuda grande e ela disparou com o arpão para o fundo. Enquanto eu puxava pela linha apareceu este tubarão e avançou no peixe. Acelerei o recolhimento da linha e coloquei as nadadeiras em quinta marcha, nadando de costas a toda velocidade de volta pro bote. O tuba deve ter pensado que eu era um peixe maior e veio com tudo na minha direção... Imaginem... Parei de nadar e apontei a arma na direção dele (sem arpão) e quando ele estava a menos de dois metros mudou de idéia e voltou pra barracuda. Aí eu puxei a linha de novo, ele não conseguiu abocanhar o peixe e a esta altura eu já tinha saltado para dentro do bote que nem aqueles pingüins saltam da água para cima das geleiras! Recolhemos a barracuda sem nenhuma mordida. Depois disso o Alex, sempre em busca de aventura, ficava me pedindo: papa, vamos lá mergulhar de novo pro tubarão vir atrás de você... É mole?!
Alguns dias depois o Frank viveu uma situação semelhante, só que dessa vez o tubarão ficou com a barracuda. Depois desses incidentes começamos a ficar mais espertos e atentos com os tubarões e procurávamos mergulhar mais próximos uns aos outros do que de costume. Com o tempo descobrimos vários pesqueiros e os apelidamos: Pajé´s reef, onde ficávamos ancorados e pescávamos os pargos e garoupas; barracuda´s reef, onde sempre havia dezenas de barracudas e os tubaladrões; snapper´s alley, um local próximo a barreira de corais onde sempre havia pargos; ghost grouper rock, um cabeço de coral enorme onde uma garoupa gigante era avistada (eu nunca vi a tal garoupa), mas ninguém conseguia pegar. Também mergulhamos algumas vezes à noite e pegamos muitos caranguejos. O máximo, enfim!

O vento ia e vinha e o mar jogava suas grandes ondas entre as ilhas, fazendo muito barulho e espuma nas barreiras de corais. Ancorados atrás dos corais, curtíamos as águas transparentes e o mar calminho. Lavamos roupas nas minas de água, cortamos cabelo na plataforma de popa, brincamos na praia, visitamos os Kunas, fizemos fogueira, piquenique e demos muitas gargalhadas com os amigos. Tudo estava muito, muito perfeito, e como todos sabemos tudo que é bom dura pouco: num dia chuvoso chega ninguém mais, ninguém menos que a mãe do mel, D. Iraci. A Paula foi encontrá-la em Panama City e aproveitou para comprar comida.

Mesmo viajando acompanhada a sogra conseguiu arrumar confusão: esqueceu sua mala de mão no avião, justo a que continha os remédios. Foi uma epopéia recuperar a tal mala, que passou por mais de 5 barcos e demorou uns 10 dias para voltar ao Pajé, com praticamente toda a comunidade dos velejadores envolvida e trocando mensagens diárias pelo rádio. Quando recuperamos a mala, ficou óbvio o interesse da SucurIraci: os cigarros estavam lá!

Nesse meio tempo acabaram-se as férias do alemão e voltei com ele ao Brasil. Mas antes comemoramos seu sétimo aniversario com uma festa no Pajé e depois só nos dois passeando em Panama City com direito a McDonald´s, sorvetes e muito desenho animado. Chegando a São Paulo foi emocionante acompanhá-lo no seu primeiro dia de escola “de verdade”. Meu avião de volta ao Panamá partia em seguida, então me despedi dele na escola mesmo, com o coração em frangalhos. Chorei de soluçar ao sair da sala de aula. Muita tristeza e saudade, faz tanta falta meu super-herói.
E voltar ao Pajé e encontrar a sogra por lá, então? O que é que eu fiz de errado? Pelo menos tinha uma vantagem, ela ajudava a lavar os pratos, tarefa que eu desempenho normalmente. Mas também confesso que ficava admirando por horas aquele corpinho miúdo e tentador, e ficava arrepiado cada vez que ela me lançava um de seus olhares maliciosos e insinuantes. Tanto fez que tive que acompanhá-la em seu primeiro mergulho, obvio subterfúgio para que ela pudesse me agarrar e colar seu corpo ao meu enquanto flutuávamos nas águas mornas e cristalinas. Mas como a água era muita cristalina e a Paula, desconfiada, nos acompanhava de perto não pudemos –ainda- dar vazão aos nossos desejos. Assim os dias passaram-se e também foi embora a Pixogra, para alívio geral. Brincadeirinha... Claro que também ficamos tristonhos com a sua ausência. Ela já havia sido iniciada na tranca, no Uno, indian poker e adorava a jogatina. Arrasou no espanhol e sentiu-se muito a vontade entre os Kunas, que também são todos bem baixinhos.
Quase no finalzinho reencontramos o Valdo e a Claudia do Jasmim e conhecemos Bruno, Lu e Bernardo no Caribee, mais brasileiros levando nossa bandeira por aí. Até o Ubatuba com o Alexandre, Iris, Andre e Amanda apareceram e conseguimos fazer uns mergulhinhos juntos.
Ficamos pouco mais de três meses nessas ilhas maravilhosas e encontramos todas aquelas coisas que sonhávamos ao iniciar a viagem: beleza exuberante, excelente mergulho, excelente velejo, povo amistoso, bons amigos, a visita da família, poucas despesas.

Mas viajando de veleiro temos que respeitar as estações, e com a travessia do Oceano Pacífico como próximo passo tivemos que deixar esse paraíso e rumar para Colon. Nossa velejada até Colon foi bem animada, com ventos acima dos 25 nós e um bom mar pela popa. Mas chegamos sem problemas e ainda pegamos um belo jacaré na entrada do porto que nos fez cruzar o molhe surfando a 10 nós. Atracamos na Shelter Bay Marina, a menos de 5 milhas do Canal do Panamá. A partir de então a rotina virou manutenção, preparação, provisionamento, limpeza, papeladas, etc. Aguardem para muito breve as lorotas que contaremos sobre esse período.

Um comentário:

  1. Estive nesse Paraiso faz um mês e agradeço pelas fotos são lindas e ajudam a relembrar... que maravilha!!!

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