Veio uma semana com uma excelente previsão de tempo para a velejada até as ilhas Cook. Enrolamos mais um pouco, compramos mantimentos e mudamos para uma ancoragem próxima ao passe. Nesse meio tempo vimos o Milo One navegando pelo lagoon e conseguimos trocar algumas palavras, uma pena que nos desencontramos, vai se saber agora quando voltaremos a nos ver, já que eles ficam mais um ano pela polinésia francesa.
A grande maioria dos veleiros já partiu pra Tonga ou Samoa, via alguma das ilhas Cook. Depois de muita conversa entre nós três retardatários decidimos rumar para Aitutaki, 500 milhas a sudoeste. Cook Islands é um país independente, com quinze ilhas dispersas por uma área de mais de 2 milhões de km quadrados. Possui cerca de 19 mil habitantes e uma série de acordos políticos e econômicos com a Nova Zelândia, de quem depende muito. A maior parte da população é descendente de polinésios.
A previsão de tempo indicava ventos favoráveis entre 15 e 20 nós, diminuindo com o passar dos dias. Saímos perto do meio dia e o vento foi aumentando. Mar desencontrado, com ondas vindo pela popa e través, e os barcos sambando de acordo. Nos dois primeiros dias e noites ainda tivemos os desagradáveis pirajás, cheios de chuva e rajadas. Daí em diante o vento abrandou e a navegada tornou-se um prazer. O Matajusi um pouco à frente, Beduína e Pajé praticamente lado a lado com freqüentes contatos pelo radio VHF. Pelo radio SSB a brasileirada também se fala diariamente, a idéia é que todos nos reencontremos em Tonga. Navegamos por quase 4 dias e chegamos a Aitutaki motorando lentamente, esperando o dia clarear para podermos escolher uma ancoragem do lado de fora da barreira de coral. O passe daqui é muito raso e não comporta nosso calado. Assistimos invejosos e balouçantes o Beduína (catamaran com meros 1,10 m de calado) passar por nós e ancorar confortavelmente dentro do lagoon. Cá fora, um sofrimento: fundo de coral, profundidades superiores a 12 metros e o vento mantém os barcos de lado para a ondulação. Extremamente desconfortável, além do perigo de estarmos a poucos metros do coral. Percebemos imediatamente que noites insones estavam a caminho, mas afinal, o que é mais uma pintinha para um dálmata?
Conseguimos colocar bote e motor de popa na água depois de alguns bem ensaiados malabarismos e fomos pegar o Silvio e a Lilian. O passe é casca– estreito, raso, curvo, com muita correnteza e ainda nos reservaria muitas emoções.
Questões burocráticas resolvidas demos uma volta pelas imediações e combinamos as atividades vindouras: mergulhos, passeios de bote, aniversários do Hugo e Silvio, etc. Agenda cheia.
O mergulho próximo ao Pajé valeu pela água maravilhosa e pelos corais, que formavam vales com fundo de areia entre eles. Investigando os vales e tocas não vimos nada de mais. O Silvio ainda pegou umas conchas para comer, mas o Pajé deixou passar. Outros velejadores nos disseram que havia ciguatera por aqui, então não rolou peixinho também, e acreditem, não vimos nenhum tubarão! Mas vimos baleias, por vezes nadando a menos de 20 metros do barco. Falar o que? O bicho é de fato impressionante, mas o legal mesmo é observar a alegria e entusiasmo da Paula, fica tão emocionada o meu amor... Com os botes chegamos a um motu – Honeymoon island– nos confins do lagoon. Ah, mas não fomos desprevenidos, levamos o kite e velejamos no melhor pico (sem ondas) que já vimos até agora. Uma área enorme, rasa, com fundo de areia sem pedras ou coral pra atrapalhar, aquela água cor de paraíso. PQP, duca!!! E Hugo, meu empolgado (nem tão) jovem aprendiz, conseguiu velejar. Que presentão de aniversário: primeira velejada de kite e num lugar desses. Vimos uma moréia morta com um baiacu inchado na boca, imagine a surpresa dela, morder o almoço e ele começar a inflar. Mas pensando bem, antes assim, a moréia ao menos teve um fim digno. E se o baiacu, com aqueles espinhos todos, resolvesse inchar na saída ao invés da entrada? Indigno e dolorido, ui. E nada como a idade e convivência para desmascarar as pessoas. Na festa de aniversário dupla descobrimos que o Hugo é um ET, veja a foto. E a Talita também, olha só o pé dela. Que a Gislayne não é humana a gente já sabia...
Apesar das recentes descobertas alugamos um mini carro ultrahiperextra compacto em sete pessoas. Parecia àquelas competições de quantas pessoas cabem num fusca. Colocamos as pranchas e alguns amigos no teto e fomos fazer um passeio pela ilha. Foi de tirar o fôlego. Não só pelos morros íngremes que escalamos, mas principalmente pelas paisagens deslumbrantes. Lindo, lindo, lindo. Para nós, o lugar mais bonito que já visitamos.
E o povo, como todos os polinésios, é muito simpático. Fomos a um jantar show em um dos motus do lado leste da ilha. A comida deliciosa foi seguida de um show típico. Não consigo deixar de me impressionar com o ritmo da música e da dança daqui. A maneira como os homens mexem as pernas, agachados, com os tornozelos juntos e a sensualidade com que as mulheres requebram os quadris, dançando na ponta dos pés é de cair o queixo. Vejam sò, nem pareceu descrição de uma dança, ficou mais pra aula de anatomia...
Por sorte, havia um grupo de canto e dança da Nova Zelândia passando uns dias em Aitutaki e eles também fizeram uma apresentação. Um estilo diferente que nos deixou muito impressionados ao iniciarem com brados de guerra, batidas de pé e olhares furiosos. E o tamanho dos caras (homens e mulheres) então? Olha, não devia ser mole enfrentar essa turma não...
Depois cantaram e dançaram diversas canções tão doces e alegres que não parecia possível serem as mesmas pessoas. Fascinante. Apesar de espalhados por uma área imensa do oceano pacifico, com suas ilhas distantes invadidas e colonizadas por diferentes nações, os polinésios conseguem manter uma identidade étnica e cultural admirável. Tremendo contraste com o Brasil, território continuo em que tantas etnias e tradições se misturam e/ou convivem.
Tarde naquela noite, a volta de bote tateando no maior breu para achar o passe, evitar os corais, vencer a correnteza e voltar ao mar aberto até que não foi tão difícil. Difícil foi achar o Matajusi com suas luzes apagadas. Um dia emocionante do começo ao fim.
Só não gostamos de duas coisas em Aitutaki: ancorar do lado de fora do passe e pagar mais de duzentos dólares de taxas de alfândega, ancoragem, partida, etc. Desancorar também foi um perrengue e diversos mergulhos foram necessários para safar a ancora dos corais. Próximo destino: Beveridge reef.