quinta-feira, 18 de junho de 2009

Tuamotu - junho/09


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Após dias muito agradáveis e sossegados em Tahuata, voltamos a Hiva Oa para despachar a Gretchen para os EUA, ao encontro do Frank e Loki. Coitados... A paz deles estava com os dias contados. E nós, depois de dois meses e meio convivendo a bordo até estranhamos a ausência dos cafés da manhã que ela improvisava: tudo o que tinha sobrado das duas ultimas refeições, frito com alho, óleo e mais umas pitadinhas de pimenta, curry e mel... Valeu Gretinha, muito obrigado pela excelente companhia, volte sempre!

Nossa intenção era zarpar o quanto antes para Manihi, nas Tuamotu para pegar um avião pro Brasil e buscar o Alex. Mas o tempo virou e não valia à pena sair. Enquanto esperávamos uma melhora nas condições chega o Beduína com Hugo, Gislayne e Talita. Chegaram como todos nós chegamos: uma marca de limo bem acima da linha da água. Aliás, aqui dá pra saber quem acabou de chegar só olhando o costado. Depois de semanas navegando todo mundo chega com o costado esverdeado. Mas conversando com eles nos surpreendemos com as condições que eles encontraram na sua travessia, muito diferentes das nossas. Mar mexido e ventão quase o tempo todo - chegaram muito cansados. E a gente teve aquela moleza toda.

Depois de muito papo, troca de livros, informações, jantares, recados e encomendas deixamos Hiva Oa ainda com uma partida de dominó a ser jogada com a Talita, pois queríamos aproveitar o que parecia ser uma boa janela de tempo.

A questão toda é que para se entrar nos atóis em Tuamotu tem que se negociar um passe (uma abertura natural na barreira de corais) à parte interna ou “lagoon” onde as águas são protegidas e oferecem uma ancoragem mais tranqüila. O melhor horário para se utilizar desses passes é o estofo da maré, quando ela não está enchendo nem vazando, um período de uma hora mais ou menos. Óbvio, essa passagem deve ser feita com a luz do dia. De noite, nem pensar. E fora do estofo da maré pode haver muita correnteza, basta uma pequena vacilada para seu barco ir aos corais.

Ou seja, todo mundo tenta entrar nesse período e navega de olho no relógio, querendo chegar na hora certa no passe. Como a navegada entre Marquesas e Tuamotu é de cerca de 500 milhas fica muito difícil programar com precisão a chegada de um veleiro. Mas enfim, tentamos. Depois de vários dias aguardando, saímos na tal “janela”.

Hmmm... A tão aguardada janela de tempo quando abriu foi só para deixar entrar chuva e ventos estranhos! Saímos na maior calmaria e tivemos que motorar para não ir muito devagar. Aí o tempo entortou. No meio da noite, claro, ou melhor, muito escuro. Ficamos só com a vela grande na segunda forra de rizo, na maior chuva, lutando para não ir muito rápido. E tome chuva. E tome rajadas. E tome rondadas de vento. Numa madrugada o vento rondou 90 graus, assim, sem aviso, num estalar de dedos. Se não fosse o preventer, ia ser aquele jibe desastroso. E ironia das ironias, quando estávamos a umas 100 milhas de Manihi o vento zerou de uma vez, só ficou aquele mar chatinho. Tínhamos horário marcado com o passe, não? Adivinhem? Ligamos nosso querido motor novamente e lá vamos nós e nossa malfadada mérdia horária. Cara, que saco!

O que nossa navegada das Galápagos até as Marquesas teve de sossegada essa teve de chata e cansativa. Ficamos mais cansados nesses três dias e tantas horas do que nos vinte e cinco dias da outra. Depois, conversando com outros barcos, descobrimos que todo mundo também sofreu mais nesse trecho do que no anterior.

As emoções na chegada foram as mais fortes: entramos no passe ainda com a maré vazando e fomos contornando os diversos cabeços de coral até a ancoragem. Chegamos lá, jogamos âncora e ainda estávamos com o motor ligado quando uma enorme e ameaçadora nuvem nos alcançou e o pau comeu - chuva na horizontal e ventos de 35 nós. Não dava pra ver nada. Escapamos por pouco. Ficamos imaginando o sufoco que teria sido se aquela chuva nos tivesse apanhado no passe ou navegando entre os corais.

Mais relaxados, resolvemos comemorar e aí aconteceu um terrível acidente. Na fissura de conseguirmos gelo para nossa merecida caipirinha, com a goela seca, olhos vermelhos, e mãos trêmulas um golpe desastrado perfurou a placa fria da geladeira e psshhh, foi-se o gás. Ficamos sem geladeira. Isso, nas Tuamotu. Ou seja, estamos no paraiso, mas sem poder tomar cervejinhas geladas, caipirinhas, etc. Que castigo! Já que íamos ficar sem gelo, rapidamente fizemos e bebemos diversas caipirinhas com o gelo restante. E aí ficou tudo zuuper legalzinho de novo...
Mas chega de desgraça, vamos falar de coisas boas.

Manihi é linda (o?). E pelo que vimos até agora, num estágio de ocupação bastante tolerável. Há um hotel (ancoramos perto, tem internet wifi grátis), uma vila pequena e bem cuidada com provisionamento básico e um lagoon imenso, com diversas fazendas de pérolas. O Fernando, um polinésio muito simpático traz todas as manhãs baguetes quentinhas e crocantes aos barcos.

Fomos a um jantar ao qual ele convidou os cruzeiristas (25 dólares por pessoa) a sua casa. Um monte de comida muito boa. Um grupo tocava musicas típicas e tivemos uma apresentação de dança. Até show com tochas rolou. O ponto alto foi uma apresentação onde nos demonstraram “n” maneiras de se usar/amarrar um pareo. Inacreditável, nunca imaginamos ser possível tantos jeitos diferentes. Pena que já esquecemos quase todos...

O melhor dessa noite foi a autenticidade do negócio todo. Como a coisa era meio improvisada, na casa dele, com a família (tios e avós tocando os instrumentos, sobrinhas dançando e errando alguns passos, sobrinhos fazendo malabarismos com as tochas e deixando cair as vezes) ficou melhor do que se assistíssemos a um show profissional num resort cinco estrelas.

Nessas nos tornamos amigos do Fernando, Joseph e Alma e agora todos os dias eles passam aqui no Pajé para irmos espetar uns peixinhos no passe. Saímos sempre com a maré enchendo, paramos do lado de fora, onde a barreira de coral é um penhasco, muito, muito fundo. A visibilidade costuma ser acima de 20 metros, a gente desce até não agüentar mais pelo paredão e nada de ver o fundo. Uiii que meda. De vez em quando lá longe passa um peixe enorme, mas difícil chegar perto. Muitos tubarões também, sempre de olho no que a gente pesca.

Olha aí, estava falando dos nossos novos amigos e eles acabaram de passar aqui e nos dar um belo pedaço de wahoo que pescaram na linha, já que hoje não vamos mergulhar porque o mar e tempo estão virados. A Paula já estava preocupada com o que ia inventar pro jantar e fomos acudidos pela encantadora hospitalidade polinésia.

Essa é nossa segunda ancoragem dentro do atol de Manihi. Para sairmos da outra ancoragem tive que mergulhar e desenroscar a corrente e âncora do Bicho e depois do Pajé, que estava mais no fundo e deu um bom trabalho. No dia anterior tinha feito o mesmo com outro veleiro americano. Desse jeito vou me especializar e trabalhar pro Fernando desenroscando âncoras. Apesar de estarmos dentro do atol, as ancoragens são fundas, acima dos 12 metros e com cabeços, grandes formações verticais de coral, por todo o lado. Com o vento rondando as correntes vão se enroscando e pra safar só mergulhando mesmo. Haja peito!

Tarde dessas o Fernando, sempre gentil, nos levou conhecer sua fazenda de pérolas. Uma aula. Nos mostrou o passo a passo desse processo meticuloso e interessante - seleção das ostras, escolha da matriz de cores, implantação das esferas e a extração da pérola ao final de 2 anos e meio . As meninas, de quebra, ganharam algumas e já planejam colares e brincos.

Estamos esperando o tempo melhorar para irmos a Fakarava (vou pegar o avião e buscar o Alex para suas férias no Pajé, a saudade tá "inaguentável"), mas começamos a ter dúvidas, já que agora temos Bicho Vermelho e Itusca ancorados ao nosso lado. Dos sete veleiros aqui, três são brasileiros, temos a hospitalidade do Fernando... Estamos em casa.


domingo, 31 de maio de 2009

Marquesas - maio/09

A travessia entre as ilhas Galápagos e Marquesas, cerca de 3000 milhas náuticas, costuma fazer parte do imaginário de grande parte dos velejadores. Um dos motivos é por se tratar de uma viagem muito longa, pelo meio do nada e do maior oceano do planeta. Quem busca distancia da terra e da civilização vai ter isso de sobra. Outras viagens e regiões proporcionam essa mesma sensação, mas não oferecem o segundo grande atrativo: as condições benignas. Tempo bom, ventos suaves, mar calmo e piscoso. O terceiro grande atrativo é o destino em si, as maravilhosas e famosas ilhas do Pacífico sul.
E nossa navegada foi um clássico. Exatamente como havíamos lido e esperado. Qual é a graça de tudo correr sem surpresas? Muita! Quando só se esperam coisas muitas boas, o melhor é que tudo saia conforme esperado.

Saímos junto com o Bicho Vermelho e navegamos um a vista do outro por quase 1000 milhas, inacreditável. Esse primeiro terço da viagem foi o único que foi aquém de perfeito. O mar estava desencontrado, com ventos muito variáveis e algumas chuvas.

A seguir tudo se encaixou. Os dourados começaram a freqüentar nossas linhas de pesca, o tempo firmou, o mar arredondou e a vida virou um show. No começo estávamos mais preocupados com nossa singradura diária, e investíamos algum tempo tentando novas regulagens de vela. Aí a ponteira do pau do balão quebrou e desistimos de velejar em asa de pombo (uma vela pra cada lado do barco). Logo depois desistimos da vela grande também, que fazia muito barulho... Assim a genoa virou nosso principal meio de propulsão, e nos dias em que nos sentíamos especialmente ativos usávamos o balão.


Velejar a 4 nós (menos de 8 km/h) virou nosso meio de vida, passatempo e velocidade preferida. Quando entrava uma rajada e acelerávamos a 6 nós eu ficava muito incomodado. Pra que tanta pressa, Pajé? Isso aqui assim tá tão, tão bom, por que ir mais rápido? A noite muitas vezes íamos a 3, 3,5 nós e era aquele sossego. Nunca velejei tanto tempo, tão devagar e gostei tanto. Não quero mais saber desse negócio de 7, 8 nós, médias diárias de 160 milhas. Pra que?

E os dias foram passando lenta e deliciosamente. Um dia a Gretchen perguntou: “Como é que a gente pode ter certeza que o tempo realmente está passando?” Me lembrei da travessia do Atlântico alguns anos atrás, quando o Alex Ufer disse numa daquelas noites enluaradas: ”agora eu entendo porque os índios mediam o tempo pelas luas, é a única coisa que muda”. E era isso mesmo. A única coisa que mudava era o tamanho da lua a cada noite. De resto, tudo igual. O sol nascia e se punha nos mesmos lugares. O mar e céu lindos e azuis todos os dias. As noites!


A Paula, encarregada da navegação, todos os dias anunciava o vencedor do concurso, quando apostávamos quem adivinharia as milhas navegadas nas ultimas 24 horas. No começo da viagem era uma barbada, só eu ganhava. Mas as meninas pegaram o jeito e depois cada dia era um que acertava, e com uma diferença muitas vezes menor que duas milhas de um palpite pro outro. Dureza essa mulherada, vou te falar! Após o anúncio do vencedor do dia vinha a frase preferida da Paula: quase lá.

Grandes momentos também quando fisgávamos um dourado, aquela festa. Invariavelmente uma boa porção do peixe virava sashimi na hora. De vez em quando rolava também um ceviche. Um dia as meninas viram um bando de dourados seguindo o barco, a uns dois, três metros de distancia. Os maiores na frente, os menores atrás. A Paula olhou, escolheu bem e jogou a isca bem em frente do dourado eleito e pimba! Mais um peixe a bordo.

Muitos banhos de mar também. Abaixávamos a escada na popa e íamos a reboque. Abríamos os olhos debaixo da água para vermos casco e leme naquele azulão e depois ficávamos conversando maravilhados a respeito.

Nosso leme de vento, depois de anos descansando e dando despesas funcionou magistralmente. É o máximo de fato. O bichinho fica lá quietinho, indo e vindo sem parar, incansável e competente.

Ah, mas não é possível, foi tudo assim, desse jeito, nenhum problema, nada? Ora, claro que não. Apesar de fantástico o Pajé é um barco, e, como vocês sabem, barco quebra. Faz parte, mano. Mas, além da ponteira do pau do balão (que quebramos por descuido), não tivemos nenhuma quebra de verdade, apenas pequenas manutenções. Tive que mergulhar no paiol de popa para descobrir um barulho diferente no leme. O barulho não era nada, mas foi bom, pois apertei dois parafusos que estavam frouxos no quadrante e poderiam atrapalhar depois. Vai ver o barulho foi o jeito do Pajé avisar sobre os parafusos. Mas podia ter avisado antes, né Pajé? Tirar as tralhas todas do paiol, por mais tranqüila que esteja a navegada, é sempre um saco. Trocamos também uma cupilha no garlindéu (agora falei difícil, hein?) e tínhamos que limpar o filtro e bomba de água doce dia sim, dia não, já que entupiam continuamente. A Paula também deu uns pontinhos no tope do balão que estava descosturando. E por fim, dois fusíveis do recarregador de baterias queimaram. Ou seja, não dá pra reclamar. Obrigadão mais uma vez Pajé!

Chegamos a Hiva Oa depois de 25 dias de sonho. Nossa média foi de 120 milhas diárias. Bem vividas.

Hiva Oa é uma ilha imponente, com penhascos a beira mar e vegetação luxuriante. Não tem como não pensar em Ilha Bela, Ilha Grande e a região de Paraty. Fizemos a papelada, algumas compras de comida fresca e juntos com nossos queridos Bel e Bob viemos a Tahuata, uma ilha muito próxima e linda também.

Adoramos a pequena vila de Vaitahu. Toda arrumadinha e florida. E o ar cheira a frutas: por todo o lado vêem-se limoeiros, coqueiros, mangueiras, abacateiros, bananeiras, pamplemousseiras (perdoem minha ignorância) e outras eiras e eiros mais. Tanta vida que a Gretchen teve uma violenta reação alérgica – possivelmente causada por mangas – e ficou toda inchada. Fomos ao posto de saúde local, fantástico, e após uma injeção e alguns comprimidos ela melhorou.

Sempre voltamos de nossas caminhadas carregados, pois todos nos cumprimentam e muitos nos oferecem frutas. As pessoas são bonitas e sorridentes. Uma menina perguntou pra Bel se o Brasil era mais desenvolvido que essa ilha. Responder o que? Aqui todo mundo tem casa, escola, comida e assistência médica. Não tem crime, poluição, transito e corre-corre. Para os amantes da vida noturna, cultural e afins pode ser um pouco entediante. Essa excelente qualidade de vida só é possível porque a economia local é fortemente subsidiada pelo governo francês. Assim, até eu! A questão toda é a tal da sustentabilidade...

Poucos dias após a ida da Gretchen ao posto médico foi a minha vez: um grande botijão de gás escorregou e caiu sobre minha mão enquanto o Bob e eu recarregávamos nossos pequenos botijões. Já era noite e tivemos que ir chamar o Jean (o responsável pelo posto de saúde, um marquesano de dois metros de altura e gentil como uma moça) em casa. Ele veio meio reclamando e disse que a noite era só para emergências, e que meu problema era “petit”. Mas quando ele examinou minha mão sob a luz do ambulatório rapidamente cuidou do ferimento e me deu uns pontinhos. No dia seguinte voltamos lá com um cd de músicas brasileiras e foi um custo fazê-lo aceitar. A tão alardeada hospitalidade polinésia está viva e muito bem, obrigado.

Mas o tempo passa muito rápido. Já esta quase na hora das férias do sagüi e estamos envolvidos na logística de ir apanhá-lo em São Paulo, trazê-lo e depois levá-lo de volta. Vamos zarpar em breve para as Tuamotu e Tahiti onde os vôos são mais baratos e freqüentes.

O mundo gira e o Pajé navega. Em breve, mais um boletim de algum lugar por aí.