Cartagena, 14
de julho de 2012
Meu caro
amigo me perdoe, por favor, que eu não lhe faço uma visita, mas como agora
apareceu um portador...
Estamos a
quase um mês na Colômbia, alternando ancoragens entre Cartagena e as Ilhas
Rosario, meras 15 milhas a sul/sudoeste. A navegada é bem tranqüila e rápida,
então ficamos na cidade ---
Oops, fui
interrompido, mas já voltei: estava aqui escrevendo, quase 8 da noite, e aparece o Bryan, de um veleiro vizinho,
pedindo ajuda porque havia avistado um veleiro que tinha se soltado da poita,
estava a deriva na baía e acabaria encalhando (isso se não batesse em alguém
antes, é o maior movimento aqui). Pulei pro bote dele sem camiseta, chinelo,
sem eira nem beira, a Paula só nos passou uma lanterna e lá fomos nós. Chegamos ao fugitivo, fizemos as amarrações e
começamos a rebocar, mas barco era muito pesado e o motor do bote do Bryan,
sofrendo com o esforço, parou! Agora estávamos os dois, no escuro, só de
shorts, num veleiro estranho, a deriva num porto movimentado e indo pras
pedras! Que que eu to fazendo aqui?!? Vamos tentar ligar o motor do barco! O
cockpit era uma verdadeira zona, peças pra todo lado, baldes e um mastro
amarrado no guarda mancebo. Demorou até acharmos onde se escondia o painel
(atrás de uma placa de compensado e de um balde com um gerador eólico dentro),
por sorte a chave estava lá e o motor pegou. Só que não conseguíamos fazer o
motor engrenar, a alavanca não se movia e receávamos quebrar a peça. Finalmente
descobrimos como a tramóia toda funcionava e conseguimos por o barco em
movimento, bem na hora, pois vinha entrando pelo canal um mega navio porta
container. A estas alturas já estávamos bem longinho e nossa situação não havia
necessariamente melhorado: dois desconhecidos, sem autorização nem
identificação, num barco desconhecido de um dono também desconhecido, motorando
sem luzes de navegação num movimentado porto estrangeiro. Que que eu to fazendo aqui mesmo? Bom, o
próximo passo era simples: decidir o que faríamos com o barco...
Pensamos em
levar pra marina, mas atracar um barco desconhecido (sem saber onde estão
cabos, defensas etc) sem autorização do dono ou da marina, no escuro, não
pareceu uma boa idéia. Resolvemos
ancorar. Mas, claro, o guincho do cara estava emperrado! Ferramentas aonde?
Conseguimos achar um pedaço de ferro no meio da bagunça e depois de alguns
“carinhos” bem dados o bicho destravou e conseguimos ancorar próximos de onde o
barco estava previamente apoitado. Mas aí não conseguíamos desligar o motor.
Não tinha botão, afogador, nada, necas de pitibiribas. Mas achamos uma gaiuta
aberta e desligado o motor foi.
E de lá
saímos, dois intrépidos, bem sucedidos e anônimos resgatadores. O Bryan até
brincou: nem somos amigos ainda mas já temos historias pra contar... E estou
contando aqui, em primeira mao, quentinha saída do forno agora, mais esta
lorota!
Estamos aqui
imaginando o que vai passar na cabeça do dono do barco ao voltar de sua
noitada. Ao invés de encontrar seu barco amarrado onde o deixou, vai
encontrá-lo ancorado algumas dezenas de metros além...
---Mas onde eu estava mesmo? Ah, ficamos na
cidade pra resolver coisas e quando podemos vamos para Rosario curtir um pouco
e limpar o fundo do barco, já que bastam poucos dias nas águas de Cartagena
para o casco ser recoberto por cracas.
Calor demais,
em geral ficamos no barco até o meio-dia, uma hora e depois nos refugiamos em
algum lugar com ar condicionado. Por isso o centro comercial virou passeio
predileto (e eu odeio centros comerciais, mas agora é uma questão de sobrevivência).
Os
preparativos pra deixar o Pajé sozinho tomam muito tempo: lavar e guardar todas
as almofadas externas, descongelar e limpar freezer e geladeira, encerar peças
inox, limpar todo o interior e passar pano úmido com vinagre para evitar mofo,
trocar óleo e filtros dos motores e gerador, limpar motor de popa, guardar
cabos, espalhar inseticida pelo barco todo, cobrir moveis e equipamentos,
acondicionar roupas de cama e mesa em embalagens a vácuo etc etc
Mas tudo vale
à pena se a alma não é pequena! Daqui a pouquinho vamos pro Brasil encontrar o
filhotudo, famílias e amigos. Óbvio e felizmente, deliciosas pizzas,
churrascadas, cervejas e caipirinhas nos aguardam.