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Após dias muito agradáveis e sossegados em Tahuata, voltamos a Hiva Oa para despachar a Gretchen para os EUA, ao encontro do Frank e Loki. Coitados... A paz deles estava com os dias contados. E nós, depois de dois meses e meio convivendo a bordo até estranhamos a ausência dos cafés da manhã que ela improvisava: tudo o que tinha sobrado das duas ultimas refeições, frito com alho, óleo e mais umas pitadinhas de pimenta, curry e mel... Valeu Gretinha, muito obrigado pela excelente companhia, volte sempre!
Nossa intenção era zarpar o quanto antes para Manihi, nas Tuamotu para pegar um avião pro Brasil e buscar o Alex. Mas o tempo virou e não valia à pena sair. Enquanto esperávamos uma melhora nas condições chega o Beduína com Hugo, Gislayne e Talita. Chegaram como todos nós chegamos: uma marca de limo bem acima da linha da água. Aliás, aqui dá pra saber quem acabou de chegar só olhando o costado. Depois de semanas navegando todo mundo chega com o costado esverdeado. Mas conversando com eles nos surpreendemos com as condições que eles encontraram na sua travessia, muito diferentes das nossas. Mar mexido e ventão quase o tempo todo - chegaram muito cansados. E a gente teve aquela moleza toda.
Depois de muito papo, troca de livros, informações, jantares, recados e encomendas deixamos Hiva Oa ainda com uma partida de dominó a ser jogada com a Talita, pois queríamos aproveitar o que parecia ser uma boa janela de tempo.
A questão toda é que para se entrar nos atóis em Tuamotu tem que se negociar um passe (uma abertura natural na barreira de corais) à parte interna ou “lagoon” onde as águas são protegidas e oferecem uma ancoragem mais tranqüila. O melhor horário para se utilizar desses passes é o estofo da maré, quando ela não está enchendo nem vazando, um período de uma hora mais ou menos. Óbvio, essa passagem deve ser feita com a luz do dia. De noite, nem pensar. E fora do estofo da maré pode haver muita correnteza, basta uma pequena vacilada para seu barco ir aos corais.
Ou seja, todo mundo tenta entrar nesse período e navega de olho no relógio, querendo chegar na hora certa no passe. Como a navegada entre Marquesas e Tuamotu é de cerca de 500 milhas fica muito difícil programar com precisão a chegada de um veleiro. Mas enfim, tentamos. Depois de vários dias aguardando, saímos na tal “janela”.
Hmmm... A tão aguardada janela de tempo quando abriu foi só para deixar entrar chuva e ventos estranhos! Saímos na maior calmaria e tivemos que motorar para não ir muito devagar. Aí o tempo entortou. No meio da noite, claro, ou melhor, muito escuro. Ficamos só com a vela grande na segunda forra de rizo, na maior chuva, lutando para não ir muito rápido. E tome chuva. E tome rajadas. E tome rondadas de vento. Numa madrugada o vento rondou 90 graus, assim, sem aviso, num estalar de dedos. Se não fosse o preventer, ia ser aquele jibe desastroso. E ironia das ironias, quando estávamos a umas 100 milhas de Manihi o vento zerou de uma vez, só ficou aquele mar chatinho. Tínhamos horário marcado com o passe, não? Adivinhem? Ligamos nosso querido motor novamente e lá vamos nós e nossa malfadada mérdia horária. Cara, que saco!
O que nossa navegada das Galápagos até as Marquesas teve de sossegada essa teve de chata e cansativa. Ficamos mais cansados nesses três dias e tantas horas do que nos vinte e cinco dias da outra. Depois, conversando com outros barcos, descobrimos que todo mundo também sofreu mais nesse trecho do que no anterior.
As emoções na chegada foram as mais fortes: entramos no passe ainda com a maré vazando e fomos contornando os diversos cabeços de coral até a ancoragem. Chegamos lá, jogamos âncora e ainda estávamos com o motor ligado quando uma enorme e ameaçadora nuvem nos alcançou e o pau comeu - chuva na horizontal e ventos de 35 nós. Não dava pra ver nada. Escapamos por pouco. Ficamos imaginando o sufoco que teria sido se aquela chuva nos tivesse apanhado no passe ou navegando entre os corais.
Mais relaxados, resolvemos comemorar e aí aconteceu um terrível acidente. Na fissura de conseguirmos gelo para nossa merecida caipirinha, com a goela seca, olhos vermelhos, e mãos trêmulas um golpe desastrado perfurou a placa fria da geladeira e psshhh, foi-se o gás. Ficamos sem geladeira. Isso, nas Tuamotu. Ou seja, estamos no paraiso, mas sem poder tomar cervejinhas geladas, caipirinhas, etc. Que castigo! Já que íamos ficar sem gelo, rapidamente fizemos e bebemos diversas caipirinhas com o gelo restante. E aí ficou tudo zuuper legalzinho de novo...
Mas chega de desgraça, vamos falar de coisas boas.
Manihi é linda (o?). E pelo que vimos até agora, num estágio de ocupação bastante tolerável. Há um hotel (ancoramos perto, tem internet wifi grátis), uma vila pequena e bem cuidada com provisionamento básico e um lagoon imenso, com diversas fazendas de pérolas. O Fernando, um polinésio muito simpático traz todas as manhãs baguetes quentinhas e crocantes aos barcos.
Fomos a um jantar ao qual ele convidou os cruzeiristas (25 dólares por pessoa) a sua casa. Um monte de comida muito boa. Um grupo tocava musicas típicas e tivemos uma apresentação de dança. Até show com tochas rolou. O ponto alto foi uma apresentação onde nos demonstraram “n” maneiras de se usar/amarrar um pareo. Inacreditável, nunca imaginamos ser possível tantos jeitos diferentes. Pena que já esquecemos quase todos...
O melhor dessa noite foi a autenticidade do negócio todo. Como a coisa era meio improvisada, na casa dele, com a família (tios e avós tocando os instrumentos, sobrinhas dançando e errando alguns passos, sobrinhos fazendo malabarismos com as tochas e deixando cair as vezes) ficou melhor do que se assistíssemos a um show profissional num resort cinco estrelas.
Nessas nos tornamos amigos do Fernando, Joseph e Alma e agora todos os dias eles passam aqui no Pajé para irmos espetar uns peixinhos no passe. Saímos sempre com a maré enchendo, paramos do lado de fora, onde a barreira de coral é um penhasco, muito, muito fundo. A visibilidade costuma ser acima de 20 metros, a gente desce até não agüentar mais pelo paredão e nada de ver o fundo. Uiii que meda. De vez em quando lá longe passa um peixe enorme, mas difícil chegar perto. Muitos tubarões também, sempre de olho no que a gente pesca.
Olha aí, estava falando dos nossos novos amigos e eles acabaram de passar aqui e nos dar um belo pedaço de wahoo que pescaram na linha, já que hoje não vamos mergulhar porque o mar e tempo estão virados. A Paula já estava preocupada com o que ia inventar pro jantar e fomos acudidos pela encantadora hospitalidade polinésia.
Essa é nossa segunda ancoragem dentro do atol de Manihi. Para sairmos da outra ancoragem tive que mergulhar e desenroscar a corrente e âncora do Bicho e depois do Pajé, que estava mais no fundo e deu um bom trabalho. No dia anterior tinha feito o mesmo com outro veleiro americano. Desse jeito vou me especializar e trabalhar pro Fernando desenroscando âncoras. Apesar de estarmos dentro do atol, as ancoragens são fundas, acima dos 12 metros e com cabeços, grandes formações verticais de coral, por todo o lado. Com o vento rondando as correntes vão se enroscando e pra safar só mergulhando mesmo. Haja peito!
Tarde dessas o Fernando, sempre gentil, nos levou conhecer sua fazenda de pérolas. Uma aula. Nos mostrou o passo a passo desse processo meticuloso e interessante - seleção das ostras, escolha da matriz de cores, implantação das esferas e a extração da pérola ao final de 2 anos e meio . As meninas, de quebra, ganharam algumas e já planejam colares e brincos.
Estamos esperando o tempo melhorar para irmos a Fakarava (vou pegar o avião e buscar o Alex para suas férias no Pajé, a saudade tá "inaguentável"), mas começamos a ter dúvidas, já que agora temos Bicho Vermelho e Itusca ancorados ao nosso lado. Dos sete veleiros aqui, três são brasileiros, temos a hospitalidade do Fernando... Estamos em casa.