sábado, 6 de dezembro de 2008

Cartagena / Kuna Yala - novembro/2008


Nossa deliciosa temporada bogotana infelizmente chegou ao fim, e com ela os paparicos de Dna Nina e Don Claudio, os vinhos, as acirradas partidas de tranca, os longos banhos de água quente, cama com cobertor elétrico (como faz frio em Bogotá!), TV a cabo com controle remoto, freezer, máquina de lavar, internet, restaurantes (e em casa as receitas especiais do Claudio), bons papos. Não vamos ter saudades do transito de Bogotá, sempre congestionado. Mas adorei ser chamado de Don Mario e ficamos impressionados com os confortos que a vida urbana oferece. É muita moleza, já tínhamos até esquecido. Com todos os carinhos e cuidados que só as mães sabem dar então foi um arraso, fomos inimaginavelmente mimados. Saímos já com muitas saudades e com alguns quilos a mais em nossos preguiçosos corpinhos.

Voltamos a Cartagena um pouco atrasados para preparar o barco e receber Bernard e Teresa, amigos que viriam do Brasil para fazer conosco o trecho até Kuna Yala/San Blas no Panamá.

Depois do frio de Bogotá o calor de Cartagena parecia ainda mais infernal. Se preparar o barco para uma viagem já é bastante trabalho, no calor vira castigo. Durante os preparativos ainda conseguimos encaixar uns passeios com Bernard e Teresa, o que tornou dias e noites lotados de atividades, incluindo um animado happy-hour com Bel e Bob a bordo do Bicho Vermelho. Quando não estávamos no supermercado carregando carrinhos e carrinhos de mantimentos, estávamos escalando as ruínas de algum forte antigo. A cidade antiga é muito interessante, rodeada por muralhas e muito bem preservada. Muitas praças, varandas. Os museus dão uma boa idéia do que foi viver por lá entre os séculos XVII e XVIII. Uma invasão atrás da outra. Ingleses, franceses, piratas, um assédio constante. Tem fortaleza pra tudo que é lado, muralhas, canhoes, passagens subterrâneas, calabouços, tudo. Até uma barreira submersa na entrada da baía foi construída para evitar a entrada de navios inimigos. Cartagena foi apelidada La Heroica por resistir (e muitas vezes sucumbir) a tantos ataques.

O casal Otondo se mostrou boa companhia desde o início, encarando sob calor massacrante a maratona supermercado-preparar barco-museus-fortes-igrejas-cidade antiga-restaurantes com galhardia. Também não é para menos. Bernard “o basco” Otondo foi criado num ambiente hostil, selvagem. Ainda menino em Bourdeaux recebeu seus primeiros ensinamentos sobre táticas de guerrilha urbana. Adolescente, dividia seu tempo entre as inúmeras vinícolas da região, embriagando-se com os melhores vinhos e participando ativamente da criação do famoso ETA. Adulto, membro intumescido da organização concebeu e participou de inúmeros atentados ao pudor. Para começar a entender tal personagem, sua periculosidade e artimanhas, basta citar que enquanto comandava as facções mais radicais do ETA veio ao Brasil e cooptou Senorita Teresa, née Montero, de tradicional e refinada família argentina radicada em São Paulo. Usando seu charme rude, o savoir faire, o joie de vivre, o parfum, o roquefort, o citroen, o champagne e o champignon conquistou irreversivelmente o coração de tão nobre donzela. Rapidamente casou-se e usufruindo da respeitosa e falsa imagem que o matrimonio concedera-lhe continuou a perpetrar atos da mais profunda vilania e crueldade.

Em visitas a finca da família Montero nos Pampas devorava em churrascos incontáveis arrobas de terneros recém abatidos. Com a experiência adquirida nas vinícolas da Franca dizimou os excelentes vinhos argentinos guardados por gerações na extensa adega dos Montero. Levou a penúria diversas famílias, depenando respeitáveis homens de negócio em noitadas de bridge regadas a pastis. Mas vamos voltar a nossa história, pois a deste basco é tão longa, pérfida e cheia de intrigas que merece seu próprio blog.

Pajé pronto, vamos reabastecer o tanque de diesel e somos impedidos pelo desfile de candidatas a Miss Colombia, as reinas de la beleza, que desfilaram em trajes de banho em barcos pela baía de Cartagena. Além disso, na saída da marina o leme apresentou-se muito duro. Um clássico. E lá vai o bonitinho aqui mergulhar naquela água imunda, e pior, sem conseguir resolver nada. Depois descobrimos que um excesso absurdo de cracas estava atrapalhando.
Saímos numa manha de sol e com previsão de ventos fracos e contrários rumo as Ilhas Rosario, distantes umas 20 milhas. A navegada foi super tranqüila e tivemos que negociar um pequeno zigzag entre os corais para chegar à ancoragem. Ficamos duas noites por lá e nos mandamos para as Ilhas San Bernardo (um santo basco). Aliás, aprendemos tanto sobre os bascos: os seres humanos originais, pré cro-magnon. Todas as línguas provem da língua basca. As ciências, as artes, a gastronomia, a filosofia, a cultura, o céu, o mar, a terra, tudo vem dos bascos. Desconfiamos que basco, em sua essência, significa humilde, despretensioso.


O arquipélago de S. Bernardo se revelou uma grata surpresa. Enquanto procurávamos um lugar abrigado para ancorar, zigzageando entre os corais (para variar), um sujeito em uma casa nos faz sinais para continuarmos numa certa direção. Como não conseguíssemos entender, ele e um amigo vieram de caiaque e nos guiaram por mais uma serie de zigzags apertados até um maravilhoso manguezal, super protegido e com a água bem clarinha. O lugar era a paz. Algumas casas de veraneio espalhadas pelo local não chegavam a comprometer o sossego. Os mergulhos nas proximidades só renderam dois caranguejos. A ilha Tintipan, onde estávamos, aparenta ser o refúgio dos abonados colombianos, com a mata bem preservada e pouquíssimas casas. Já em uma minúscula ilha vizinha, Islote, mais de mil pessoas aglomeram-se em casas construídas coladas umas as outras. Em sua grande maioria, famílias dos empregados das casas ricas de Tintipan e de um resort localizado numa outra ilha próxima. Assim como nas grandes cidades, por aqui também criou-se uma periferia...






Nossos dias e noites por lá foram muito tranqüilos, com deliciosas nadadas matinais e ao cair da noite. O tipo de lugar em que poderíamos ficar semanas, principalmente por ouvir as primorosas interpretações de Carmem por nosso tenor Basco. Mas como os pobres pássaros do mangue batiam em revoada a cada brado de Toreador achamos por bem levantar ancora antes de um irremediável desastre ambiental.
O trecho a seguir era o maior dessa viagem, umas 170 milhas. Seria o batismo da Teresa em uma navegada desta extensão e adequada como parte do objetivo da viagem do casal Otondo em experimentar um pouco da vida de cruzeiristas. E foi uma boa experiência: corrente contra, vento contra, alguns relâmpagos, alguma chuva (ainda bem que no turno do Bernard), troca de filtros do motor no meio da madrugada e uma boa ondulação ao chegarmos ao arquipélago Kuna Yala. Mas tudo correu muito bem e a mais nova tripulante do Pajé foi aprovada com louvor.

As ilhas por aqui são todas de cartão postal: areia branquinha, coqueiros a beira mar, aquela água cristalina. Conseguimos visitar uma comunidade Kuna e dar uns mergulhinhos em alguns bancos de corais. Pena que choveu muito (a pior chuva dos últimos 40 anos) até a despedida dos Otondo, também em grande estilo- traslado até o aeroporto em canoa Kuna, as 5:30 da manha e com chuva. Santa Teresa! Provavelmente um dos maiores prazeres que teve neste período foi ver o Bernard finalmente lavando louca e roupas.
Nós ficamos com aquela sensação de alguma coisa faltando, mas felizmente logo reencontramos o pessoal do Milo-One , o sol voltou a aparecer e os mergulhos renderam algumas lagostas e uma barracuda das grandes, devidamente transformada em moqueca e bons filés.O melhor é que daqui a pouquinho chega o cada vez mais banguela Alex para passar suas férias conosco, e junto com ele a Pil, Ricardo, Alan e Belle. Como diz o filhotudo, vamos fazer muita bagunça!


terça-feira, 11 de novembro de 2008

Colombia - novembro/2008

Sobrevivemos. Exaustos, depauperados, irritados e desanimados, mas sobrevivemos a seis semanas na marina. Conseguimos terminar tudo o que tínhamos nos proposto a fazer e mais um pouco. Só que custou, claro, muito mais tempo e dinheiro do que tínhamos nos proposto a gastar.

Mas há males que vem para o bem. Quando finalmente colocamos o barco na água, decidimos não voltar a Spanish Waters naquele mesmo dia, pois chegaríamos muito tarde e estávamos muito cansados. Naquela noite Curacao foi atingida pelo inicio do furacão Omar, que castigou a ilha por quatro dias, ainda como tempestade tropical e com ventos acima dos 45 nos. Isso nos reteve pela sexta semana na marina, mas foi melhor. O pessoal que estava em Spanish Waters nos contou que a coisa ficou feia por lá.

Enquanto estávamos na marina reencontramos o Derek e a Alison, do Kalida, conhecidos desde 2005 no Brasil e também ficamos amigos do Frank e Gretchen do Infinity.
E como amigos nunca são demais reencontramos em nossa volta a Spanish Waters os brasileiros Valdo e Claudia do Jasmin, o Marcelo do Gardian e o Elio do Crapun. E imediatamente iniciou-se uma serie de almoços, jantares e deliciosos bate papos.



Estava tudo muito bom, mas já estávamos bastante atrasados em nossa viagem para a Colombia para visitar Nina e seu infatigável e ardente marido Claudio quebra-pernas. Ela vem se recuperando de uma fratura , que segundo a versão oficial foi causada por uma queda no banheiro... Mas não nos deixemos enganar: a fratura deve ter sido causada por um rompante de paixão em tórrida noite de amor, quando os mais selvagens e primitivos impulsos sexuais os levaram a cometer incontáveis desatinos que culminaram no hospital. Jovens... Impetuosos, impulsivos, irrequietos nunca medem as conseqüências de sua volúpia, deixam-se levar pelo turbilhão de sensações, pela busca frenética dos prazeres carnais, pelos ímpetos hormonais, a sofreguidão domina sua mente, corpo e alma!

Precisávamos encontrar esses dois desajuizados e trazê-los de volta ao bom senso. Mostrar a eles que essa vida desvairada e os prazeres imediatistas causados pelo excesso de sexo, drogas e rock & roll poderiam acarretar sérias e danosas conseqüências ao seu desenvolvimento psicológico, social, moral, biológico, físico e químico. Urgia termos acesso imediato e irrestrito a adega de Don Claudio, sacrificaríamo-nos ingerindo o rubro veneno, esvaziando todas suas garrafas e afastando-os desse mal, amém!

Mas para tanto tínhamos que navegar 500 milhas. Resolvemos sair num final de tarde e dormir numa outra baia, para ir a Aruba na manha seguinte. Só que o vento estava tão fraquinho, o mar tão calminho e fazia tanto tempo que a gente não navegava que decidimos tocar direto pra Aruba, distante 70 milhas de Curacao. Assim que anoiteceu o vento aumentou e fomos reduzindo os panos para não chegarmos a noite. Mas ventava e tinha correnteza a favor e o Pajé continuava acelerando. Resultado: ficamos em árvore seca, ou seja, sem velas e o Pajé andava a mais de 4 nós. Mas deu certo e chegamos ao amanhecer.



Aruba



A imigração e alfândega foram as mais rápidas que vimos até agora. A ilha parece estar completamente voltada ao turismo, principalmente ao turista que chega nos grandes navios de cruzeiro. Uma infinidade de pequenas lojas de souvenirs, restaurantes, bares, cassinos, joalherias, etc. Mesmo assim, nos causou uma boa impressão e tivemos vontade de ficar mais tempo, reforçada por termos encontrado o pessoal do Eagles Nest e pelas incríveis facilidades financeiras. Lá parece que o aperto monetário –creditício não chegou: vejam a foto! Quis aproveitar a oportunidade, mas a Paula não deixou...

Saímos no dia seguinte com o Infinity rumo a Colombia de olho numa janela de bom tempo, (a navegação neste trecho é considerada a mais difícil do Caribe e entre as 5 piores no mundo). Uiiii...
Velejamos umas 260 milhas em dois dias com bom tempo, vento e corrente a favor, do jeitinho que a gente gosta. De vez em quando dá tudo certo, até um pequeno atum pescamos. Ancoramos em Gairaca, Cinco Baías, já em território colombiano. Uma baía linda, com poucos moradores e muito parecida com as baías de Paraty e Angra. Fomos nadando até a praia e assim que pusemos o pé na areia um cara super simpático que estava por lá com mulher e filha se aproximou, apresentou, nos deu boas-vindas e puxou papo. E logo depois o Reinaldo, um morador do local também se aproximou, ofereceu ajuda no que precisássemos e fez questão de nos mostrar sua casa. Obviamente ficamos encantados e já gostamos de cara do lugar e dos colombianos.
Quando fomos mergulhar então ficou melhor ainda. Lagostas, hmm...
Fizemos algumas caminhadas com o Frank e a Gretchen que se tornaram bons amigos. Acabamos ficando uma semana por lá, pois o tempo ficou ruim e tivemos que esperar para navegar o próximo trecho. Apesar da baía ser bem abrigada, as rajadas entravam fortes por todos os lados, virando botes, adernando os barcos e não deixando ninguém dormir tranqüilo.


Saímos com vento bem fraco e chuva e tivemos que dar uma motoradinha para chegar na próxima ancoragem, Punta Hermosa, ainda de dia. Nesse trecho cruzamos a foz do rio Madalena, onde a corrente contrária a maré cria ondas curtas, cavadas e desencontradas, tornando a navegação muito desconfortável . Como passamos sem vento o mar estava calmo, mas deu pra perceber o potencial problema do local.









Dormimos chacoalhando debaixo de uma chuva torrencial, raios, trovoes e mosquitos. Saímos de manhazinha rebocando o Infinity, que estava com defeito no motor. Chovia, chovia e chovia. Zero de vento. Chegamos a Cartagena no meio da tarde e ancoramos próximos ao Club Nautico, o ponto de apoio dos cruzeiristas por lá.
Fizemos um rápido reconhecimento do local, conhecemos o Bob e a Isabel, brasileiros do Bicho Vermelho que estão há algum tempo por lá e nos deram boas dicas.
Arrumamos o Pajé rapidamente e nos mandamos pra Bogotá. Aqui chegando fomos recebidos com todos os mimos e paparicos. Imediatamente nos atiramos à premente tarefa de esvaziar a adega do Claudio. O problema é que ela é aparentemente inesgotável e, além de não termos conseguido afastar o temerário casal dos seus já relatados delitos, fomos aliciados e passamos longas horas nos dedicando a partidas de tranca, nosso mais novo vício.